domingo, 26 de fevereiro de 2012

Aprendendo a Errar

Sempre quis aprender a cozinhar. Conforme fui crescendo e vendo o quão difícil e arriscado aquilo tudo era, passei a perder o interesse. O ato de cozinhar pode ser uma delícia, mas você corre o risco de ter um trabalho imenso para fazer um bolo e no final ele sair queimado.
Eu não sei errar. As poucas vezes que eu cozinhei, sempre deu errado e eu acabava frustradíssima por não ter conseguido fazer coisas básicas que todos conseguiam. Não dá, minha relação com o fogão é horrível. Eu sou aquela pessoa que coloca plástico no microondas, já coloquei mel por 5 minutos para fazer a cobertura de um bolo surpresa para minha mãe e acabei queimando a mão da minha irmã. Eu não sei as regras da cozinha, só sei que morro de medo de explodir minha casa, queimar alguém, fazer tudo pegar fogo.
Por algum mistério da vida, a única coisa que eu sei fazer é bolinho de arroz, que modéstia á parte, sempre sai maravilhoso, mas isso só aconteceu depois de muitas tentativas inspiradíssimas. Coitada, me vangloriava tanto por saber fazer, achando que estava fazendo um banquete.
Crescendo em uma família armênia, todo mundo sabia cozinhar. É praticamente lei no Oriente Médio uma mulher ter que saber cozinhar para cuidar da família e do marido. Minha bisavó tinha diversas receita de própria autoria que passou para seus netos, incluindo minha mãe, que guarda até hoje um livro com receitas de vários membros de várias gerações da família.
A mesma, de vez em quando acorda possuída e vai pra cozinha. Nesses dias ela faz comida pra pelo menos, 1 mês, é sensacional. Ela coloca uma música e acaba ficando lá por horas.
No ano da descoberta do câncer (2011) em especial, a vontade e urgência da minha mãe em que eu e minha irmã aprendessemos a cozinhar aumentou muito. Por um lado eu entendo, ela sempre quis que conseguíssemos nos virar sozinhas, mas por outro fico triste porque imagino o que se passa na cabeça dela.
Estou fazendo terapia. Em uma das sessões estávamos discutindo sobre o Natal que estava chegando, e receitas de família. Não sei porque ela perguntou se eu tinha curiosidade de aprender a fazer alguma receita, e sem pensar disse que sim. Minha avó linda Jeanete, fazia um arroz com amêndoas no Natal. Acho que foi a única coisa que me lembro de ter visto minha avó fazer, e me marcou muito. Ano passado em especial, senti essa vontade porque minha avó faleceu (vou falar disso em outro post porque ainda não consegui) e não teríamos o arroz naquele Natal. Eu sabia que todos iriam sentir muita falta dela naquele dia e quis fazer algo em sua memória. Minha terapeuta sugeriu que eu fizesse o arroz para quebrar a barreira, o medo de errar. Aceitei o desafio.
Fiz o arroz dois dias: na véspera e no dia do Natal. Na véspera era o aquecimento, minha mãe me ajudou, me explicou passo a passo e não saiu muito bom, podia ter mais amêndoas, enfim (sabia que não ia achar bom de primeira porque eu sou muito perfeccionista). Fiquei empolgada por ter conseguido fazer e estava pronta para o grande dia. No dia do Natal a família inteira da parte da minha avó veio: primas, tias, tios. Fui até a cozinha e pedi que NINGUÉM me ajudasse, isso ja me deixou um pouco apreensiva porque acho que fui muito metida a corajosa.
Quando vi já estava toda cozinheira, colocando a manteiga na panela, as amêndoas, o arroz e fazendo todo aquele processo que eu julgava ser tão difícil. Quando terminei, coloquei o arroz na travessa e veio minha avó na cabeça, ela sorrindo e falando 'isso, minha vida!', do jeito que ela me chamava.
Já com o aval da minha avó, coloquei a travessa na mesa e esperei. As pessoas foram se servindo e comecei a escutar 'hmmmm', 'nossa! tá igual ao da Jeanete!'. Não sabia se estavam falando para me agradar porque minha família tem essa mania, mas gostei de pensar que não, que estava realmente gostoso. (acabei de descobrir que eles só souberam que fui eu que fiz, depois que já tinham elogiado)
Fiquei muito feliz, muito mesmo, perdi meu medo de cozinhar, de matar alguém com água quente, de explodir a casa.
Hoje decidi que ia fazer um livro de receitas para mim mesma, para eu levar adiante. Pedi que minha mãe me ajudasse, queria muito que ela fizesse parte disso, sei que ela ficou feliz com a minha iniciativa de querer aprender e estar disposta a errar. Separamos receitas de todo mundo, desde livrinhos da Nestlé de quando minha mãe era jovem, até receitas das diversas empregadas que passaram pela família, desde receitas da minha bisavó até receitas atuais. Querendo ou não, uma das várias coisas que permanece em uma família por anos sem ser o sobrenome, são as receitas, é uma coisa imortal que passa por várias gerações. Eu quero mesmo um livro de receitas porque sou gulosa e quero que um dia se eu tiver vontade de alguma comida, levantar e eu mesma fazer! E QUE NÃO SEJA BOLINHO DE ARROZ!
Enfim, estou pouco a pouco aprendendo com a culinária mensagens subliminares que seguem de mãos dadas com essa arte: que para se acertar é necessário algumas tentativas que nem sempre vão ser um sucesso. Aprendendo que para ficar bem, é preciso passar pelo ruim.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Praticando o egoísmo

Depois de muito tempo, ontem encontrei duas amigas minhas do Gracinha. A opinião delas sempre foi muito importante pra mim por 2 motivos: além delas serem minhas amigas, as duas prestam Psicologia. Na minha cabeça é como ter psicólogas de plantão 24hrs por dia, porque elas possuem um enteendimento maior sobre o que se passa na mente humana, consciente e inconscientemente.
Conforme fomos conversando, passei a perceber uma coisa: eu não sei mais o que me faz feliz. Eu não estou bem, minha cabeça não está bem e está mais do que na hora de enfrentar isso. Uma das minhas amigas disse uma frase que ficou presa na minha cabeça durante a noite inteira: 'Se você tem força o suficiente pra passar por tudo isso, porque você não teria a força de pensar em si mesma uma vez na vida? Não dá pra ajudar os outros sem você estar bem'. Essa frase final eu escuto quase todos os dias de diversas bocas, mas acho que não teve um impacto tão grande quanto teve ontem.
Eu não posso ajudar minha mãe se eu não estou bem, afinal, ela me conhece mais do que ninguém e não adianta eu fingir que está tudo bem.
É estranho pensar isso agora, que eu cheguei em um ponto onde me preocupo tanto com o bem-estar de todo mundo em volta de mim, com como todo mundo está lidando com isso, que eu esqueci quem eu sou. Não sei mais o que me faz feliz, eu esqueci.
Durante esse um ano e pouco de câncer, meu corpo passou a se manifestar mais em relação á tudo que eu guardava dentro de mim. O resultado? Três úlceras em 1 ano.
Eu passei a ME enganar em achar que eu estava bem, que eu consigo lidar com isso sozinha, mas meu corpo acabou me denunciando.
Não é certo nem saudável se deixar ser sugada por um furacão que é essa doença. Não é.
Estou admitindo aqui praticamente em público que estou com muito medo de mim mesma. Não achei que conseguia chegar nesse ponto, onde para mim tudo o que eu faço parece ser tao certo, mas está tão errado e só me fazendo mal.
É como se eu tivesse que reaprender a pensar em mim. Repeti diversas vezes ontem conversando com as meninas 'eu não consigo', como se fosse um disco velho repentindo a mesma música over and over.
Por incrível que pareça, eu me esforço, eu estou me esforçando mas é muito difícil sair de casa (mesmo com a minha mãe praticamente me implorando pra eu ir me divertir) e deixar ela sozinha em casa.
Sei que ela não é de cristal, sabe se cuidar sozinha, mas não sei porque sinto esse instinto constante de não deixar ela sozinha em nenhum momento. Não sei se é desespero, medo de que algo aconteça quando eu não esteja em casa. Não sei se lá dentro da minha cabeça, no meu sub-consciente exista uma esperança de que ficando perto dela, eu protejo ela do câncer.
Me deixa muito triste saber que estou assim, muito mesmo. O sentimento é parecido com o de se matar de estudar para uma prova, achar que você mandou super bem, e quando sai o resultado você tirou 0. É esse sentimento multiplicado por 1 milhão.
Uma coisa engraçada é que sempre que minha mãe estava com um problema e mesmo assim se preocupava com o dos outros, eu falava pra ela 'não dá pra ajudar os outros se voce não está bem'. Parece que minhas próprias regras não se aplicam à mim.
De hoje em diante vou tentar ser um pouco egoísta, porque cheguei á conclusão de que preciso fazer isso para não ficar louca ou doente. E se não conseguir por mim, que consiga pela minha mãe, que sempre foi uma motivação para mim.
Ela já me disse uma vez 'você é igual á mim, sempre se preocupando com os outros, e agora olha como eu estou'. Eu preciso me redescobrir, me refazer do 0. Não quero ser essa pessoa paranóica que eu estou sendo, quero ficar bem, quero aprender a cuidar de mim mesma porque sei que no fim, é isso que vai fazer minha mãe, eu, e toda a minha família feliz.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O cabelo

O que qualquer pessoa pensa quando vê uma mulher careca na rua? 'Ela tem câncer'.
Ja é da nossa natureza pensar isso, carecas remetem á câncer.
Desde o começo do tratamento, tudo o que a gente ouvia sempre que uma nova quimio começava era 'o cabelo não vai cair por completo, mas vai rarear'. Sinceramente, tanto eu quanto minha irmã sabíamos que podia chegar o momento em que minha mãe fosse ficar careca, afinal, se tratando de câncer você não pode duvidar de nada.
A grande vaidade da maioria das mulheres do mundo é o cabelo. Ele transmite a feminilidade, ele faz a mulher ficar bonita, sensual e afinal, é uma coisa que todo mundo vai ver porque está na sua cabeça.
Desde que me conheço por gente assistia minha mãe acordar, tomar banho e, ainda de toalha, pegar o secador, a escova redonda e começas a arrumar seu cabelo. Isso era uma tradição quase. Tão tradição que depois que eu descobri essa benção que é o secador, passei a também fazer esse ritual diário, igual á minha mãe.
Eu sou armênia e cresci no meio de uma família na qual todas as mulheres viviam com os cabelos e a aparência impecáveis para agradarem seus maridos e á si mesmas. Não deixavam UM FIO branco aparecer que já estava na hora de tingir de novo. Minha avó mesma, mãe da minha mãe, fazia o tal 'ritual' todos os dias, mas ainda completava com o laquê. Enfim, cabelo sempre foi importante para nós.
No terceiro tratamento (existem 6 para o tipo de câncer da minha mâe) o cabelo dela começou a cair. Mas não é que caía pouco cabelo, caía muito.
Eu e a Sté até tentávamos esconder um pouco fingindo que íamos abraçar ela para que pudéssemos tirar os cabelos da blusa dela ou do travesseiro, mas ela acabava percebendo.
Não foi fácil. Era como assistir minha mãe se esvaindo diante dos nossos olhos, como se a cada fio de cabelo que caía, uma parte da minha mãe também ia junto.
A pior parte de tudo isso era ver a tristeza nos olhos da minha mãe toda vez que ela olhava para o chão e via aquele mar de fios de cabelo. Isso pra mim era a morte.
Muitas vezes ela pedia para eu recolher porque ela não conseguia.
Depois de perceber que seu cabelo estava caindo, minha mãe passou a cortar o cabelo mais e mais curto, na esperança de que a queda diminuísse. Não foi o caso.
A queda chegou em um ponto tão absurdo que ela passou a usar um lenço, mesmo sem estar careca, para evitar que os fios caíssem no chão.
Um dia quando estava chegando em casa do trabalho, me deparei com ela sentada na poltrona retirando os bolos de cabelo de sua blusa.
Sentei na frente dela e falei da possibilidade dela raspar. Eu não era a favor no começo do tratamento única e exclusivamente por egoísmo meu, por medo de como eu me sentiria, por medo de não conseguir mais esconder meu medo de perder minha mãe na frente dela. Outra coisa sobre o câncer: sua cabeça muda de 5 em 5 minutos á respeito da doença.
Você só sabe sua reação depois que a coisa acontece, e nunca é o que se passa na sua cabeça. Raspar era o melhor pra minha mãe, dane-se eu, eu teria que me acostumar e dar força pra ela.
Enfim, conversamos e pedi que ela pensasse. Claro, usei os argumentos de que a Demi Moore já tinha raspado, a Natalie Portman, a Carolina Dieckman em Laços de Família! Aquela novela que TODO MUNDO usa de referência na hora de pensar em 'como deve ser raspar o cabelo por causa de câncer'.
Dei tempo para ela pensar e no fim ela acabou concordando. Não imagino o quão difícil foi essa decisão. No dia em que ela decidiu, fui ao shopping com uma amiga e comprei o lenço mais bonito que achei, de seda, com várias rosas vermelhas estampadas (minha mãe ama rosas). Cheguei em casa e a presenteei com o lenço, afinal, ela precisaria de um para estreiar a careca nova.
Em uma quarta-feira, ela foi á um salão conhecido e raspou. Infelizmente não pude ir porque estava trabalhando e cheguei tarde demais.
Enquanto minha mãe estava raspando, conversava com a minha irmã e minha prima, que estavam junto, por mensagens no celular para saber como ela estava reagindo. Tudo estava correndo bem, e assim que saí do trabalho corri para casa.
No elevador já pedi para mim mesma 'se controla, não fica chocada, não demonstra'. Assim que abri a porta de casa me deparei com aminha mãe sentada na poltrona, LINDA.
Eu achei que eu ia ficar chocada, triste, mas acho que foi um dos melhores sentimentos que eu já senti na minha vida, era como ver minha mãe levantando de novo, pronta para lutar mais. Ela estava sentada e quando me viu abriu um sorriso imenso.
Estava toda maquiada, com os olhos pintados do jeito que ela sempre faz e com um lenço na cabeça.
Senti alívio. Fiquei tão feliz por ela não estar triste, esse era meu maior medo.
Ela me deu um beijo, e mostrou a carequinha. Ela estava mesmo linda, não estou falando isso por ela ser minha mãe.
Acho que ela sentiu alívio em ver que nem eu, nem minha prima, nem minha irmã ficamos chocadas, as 3 amaram! No dia seguinte, eu e minha irmã compramos uns 30 lenços e demos para a minha mãe, ela amou!
Não vou mentir, as pessoas olham. Alguns olham assustados, outros olham com admiração. Tenho vontade de mandar tomar naquele lugar todo mundo que olha assustado, e na maioria das vezes não consigo me segurar e acabou soltando um 'OI, TUDO BOM????' bem grosseiro com aquela cara de 'QUER TIRAR UMA FOTO? DURA MAIS TEMPO'. O mundo de hoje já devia estar acostumado. É uma coisa que está presente no dia-a-dia. O câncer está cada vez mais presente e parte da gente fazer com que esses guerreiros se sintam á vontade e orgulhosos de expor suas carequinhas por aí.



Minha mãe já era linda ao meu ver, mas ficou mais ainda por ter tido a coragem de raspar o cabelo e de mostrar sua luta sem vergonha nenhuma enquanto desfila sua careca nova coberta por lenços das mais diversas cores e estampas. Razão número 9383749404027 para eu ter orgulho de chamá-la de 'mãe'.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Vou usar esse post para fazer uma divulgação. Durante o fim de semana, comprei uma televisão nova. Além da minha antiga televisão, há vários outros eletrônicos sem uso aqui em casa, entao resolvi procurar uma instituição para doar.
Acho doação uma coisa linda, por anos assisti minha mãe fazer doações para o GRAAC (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer) e para o ICRIM (Instituto de Apoio à Criança e ao Adolescente com Doenças Renais). As duas instituições são demais e ajudam as crianças de todas as maneiras possíveis, mas não queria doar para nenhum desses dois lugares porque sei que ambos possuem grandes patrocinadores, e sei que há casas que mesmo com muito pouco, tentam ajudar.
Continuei procurando até que me deparei com a Casa Maria Helena Paulina. Entrando no site, procurei um pouco sobre a história da casa.
Basicamente uma enfermeira que trabalhava no Hospital das Clínicas se aposentou e acabou descobrindo que estava com câncer de mama. Durante seu tratamento, Maria Helena se deparou com diversas famílias carentes de várias partes do Brasil que vinham fazer tratamento em São Paulo (já que aqui é uma cidade com mais recursos)  e tinham dificuldades em se hospedar na cidade por falta de condição financeira. Em uma de suas sessões de quimioterapia, uma menininha de 3 anos, Janaína, chamou sua atenção. Conforme Maria foi conversando com a mãe da pequena, descobriu que elas passavam o dia no tratamento e que á noite, dormiam em baixo de um viaduto.
Isso é EXTREMAMENTE perigoso por vários motivos: primeiro pelo fator da segurança, vamos combinar que São Paulo pode ter mais recursos mas também tem mais violência. Segundo, a imunidade de uma criança, ja é naturalmente menor do que a de um adulto. Terceiro, a imunidade de qualquer pessoa durante a quimioterapia fica MUITO baixa, podendo deixar UM ADULTO cansado de andar até a esquina. doente de ficar dentro de uma sala de cinema... Imaginem o que isso não faz com uma criança de 3 anos morando em baio de um viaduto sujo, cheio de poeira.
Chocada com a situação das duas, Maria Helena resolveu pesquisar casas de apoio á essas famílias. Na época só haviam DUAS casas que faziam esse trabalho e que muitas vezes não atendiam á todas as necessidades dessas pessoas por falta de recursos e suprimentos. A ex-enfermeira então, logo antes de falecer, pediu que sua própria casa fosse transformada em uma casa de apoio para essas famílias.

Eu particularmente fiquei muito sensibilizada com a história. É incrível uma família vir para cá, mesmo sem condição nenhuma de sequer ter aonde dormir para conseguir que seu filho, irmão ou mãe tenha a chance de lutar pela a vida durante o tratamento.
Posso dizer porque presencio isso todos os dias: o tratamento para um paciente com câncer é muito pesado, acho que é um direito do ser humano que tenha o mínimo de conforto e segurança para enfrentar uma coisa tão horrível como um câncer, seja criança, adulto ou idoso.
O tratamento por si só ja é muito cansativo tanto emocionalmente quanto fisicamente para os pacientes e suas famílias, acho que eles não devem ainda se preocupar com aonde vão dormir, é um DIREITO.

Enfim, achei demais a instituição, sem contar que o pessoal lá é super simpático e tem amor pela causa. Eles aceitam de tudo e até tem um esquema de vender algumas doações que não são tão urgentes e converter o dinheiro para a Casa.

Vale a pena ajudar!

http://www.casamariahelenapaulina.org.br/

domingo, 19 de fevereiro de 2012

O Dedetizador

Uma coisa engraçada sobre o câncer: ele espanta as pessoas. Eu passei a ter um conceito completamente novo do que é 'amizade' depois desse demônio.
Passei a analisar que conforme as paredes vão estreitando, o número de pessoas que conseguem ficar nesse espaço com você, diminui.
Eu nunca fui uma pessoa lotada de amigos, nunca mesmo. Desde pequena 'ter amigos' sempre foi uma dificuldade pra mim, e conforme fui crescendo, ter poucos amigos passou a ser uma opção.
Estudei na Escola Nossa Senhora das Graças, vulgo Gracinha. Foi ali que começou essa minha tentativa eterna de ser igual aos outros pra ter mais amigos.
Sabe aquelas meninas que brincavam de barbie, polly e que gostavam de se vestir de princesa no carnaval? Então, não era eu. Eu era aquela lá que ficava com os meninos brincando de futebol, luta, e que me vestia de Power Rangers no carnaval. Aquela que nenhuma das meninas gostava de brincar e que todo mundo chamava de 'menino' pra irritar.
Sinceramente, eu me irritava muito e ficava bem magoada com esses comentários, mas hoje dou gráças a Deus por ter tido uma infância assim, do jeito que eu queria. Falo com o maior orgulho que minha infância foi muito melhor do que a daquelas babacas que ficavam brincando de barbie.
Na quinta série, eu passei a sentir falta de ter amigas meninas, os meninos começaram a implicar. Em uma tentativa desesperada de ser aceita, um belo dia resolvi colocar uma calça jeans (isso era novidade pra mim porque eu vivia a base de calça moletom), uma regatinha, uns brincos azuis que tinha comprado em uma feirinha hippie e prendi meu cabelo com uma piranha. Era outra Jessica, e nesse mesmo dia as meninas começaram a falar comigo, sobre minha mudança e que 'a Jessica resolveu virar menina'. Conforme as séries foram passando, ficou um problema menor 'não ter tantas amigas', e consegui aceitar e desenvolver melhor minha feminilidade. Hoje, apesar de ainda ter paixão por calça moletom, só uso em casa, e o futebol, depois de praticar por uns 3 anos no clube, parei.
Eventualmente depois de repetir de ano, mudei de escola, fui para o Pueri Domus. Lá eu me enturmei beem melhor.
Enfim, nunca fui uma pessoa de mil amigos. Coincidentemente, as únicas meninas que não se importavam com o meu jeito no Gracinha e que não riam de mim, estão comigo até hoje. Não consigo agradecer á essas amigas o suficiente por terem sido minha base e por terem tornado minha estadia naquela escola tolerável, devo muito á elas. Agora: as meninas que resolveram virar minhas 'amigas' só depois que eu mudei o jeito que me vestia, não estão.
Sabe, eu acho que quando você assiste um filme da Disney e vê aquelas lições de moral escondidas pras crianças de 'seja você mesmo' e 'seus amigos te amarão não importa o que aconteça', não percebe o quanto aquilo tem fundamento até vivenciar.
Quando as pessoas descobrem que sua mãe tem câncer, todo mundo quer mostrar soliedariedade, todo mundo que falar 'conte comigo pra tudo', todo mundo quer parecer um puta amigo presente, mas aí é que tá: poucos conseguem.
É muito bacana se fazer de super amigo e fazer um discurso imenso sobre o quão forte você é e o quanto todos te admiram, e que a pessoa 'sempre vai estar ali a qualquer hora do dia'.
Mas na hora que você quer sair um pouco pra arejar a cabeça depois de descobrir que sua mãe tem metástase no pulmão e em alguns ossos,  você liga pro tal amigão e ele te fala que vai na balada, e que é o único dia que ele pode sair na semana, mesmo sabendo que você odeia balada.
Infelizmente eu me decepcionei com muitas pessoas, tive raiva de muitas pessoas, mas hoje eu vejo que 'ninguém dá o que não tem', segundo minha mãe.
Não dá pra esperar de uma pessoa, uma coisa que você tem certeza que faria por ela. Você se engana tanto em relação ás pessoas que você acha que são seus amigos, que quando uma coisa para a qual você realmente PRECISA deles acontece, você na maioria das vezes se decepciona, mesmo sabendo que todas as vezes que ele te ligou chorando, você escutou e animou ele.
Cheguei á conclusão de que a vida me trouxe amigos maravilhosos. Pessoas com as quais eu preservo 11 anos de amizade desde o Gracinha, até pessoas que eu conheço á menos de 2 anos e que ainda sim se mostram melhores amigos do que pessoas que conheço a 5. Pessoas que encontrei porque repeti de ano (que eu julgava ser a pior coisa do mundo porque teria que mudar de escola) e que acabaram sendo amigos de ouro. Ou até pessoas 'amigos de amigos' que nem são da mesma escola que você, que o tal do amigo que apresentou nem está mais aqui e quem permaneceu foi o que você conheceu.
O câncer tem suas facas de dois gumes e essa é uma delas. Se decepcionar com 'amigos' e ganhar irmãos e irmãs.
Na sua vida você não precisa de amigos que não sabem o que falar e ficam falando que 'vai ficar tudo bem', você precisa de amigos que te abracem e falem 'tudo tá mesmo uma merda, mas a gente vai superar juntos'.
Queria agradecer do fundo do meu coração á todos vocês, meus amigos queridos.
Agradecer por vocês terem me ensinado o significado de uma amizade, por vocês me respeitarem tanto quando quero ser deixada sozinha, por agirem tão rápido ao verem que eu não estou bem ou que algo aconteceu.
Obrigada pela paciência e palavras de força. Obrigada por além de me apoiarem, apoiarem também minha mãe. Sei que vocês rezam por ela e vou ser eternamente grata á essas orações.
É impossível pra mim agradecer o suficiente, vocês fazem por mim mais do que pensam, só de estarem perto de mim.

Eu amo vocês.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A apresentação

Chega um momento em nossas vidas no qual Deus nos joga no meio de um mar imenso e profundo, sem bóias ou colete salva-vidas para ver quem consegue nadar. Já aviso que não é só uma vez na vida, então podem ir malhando essas pernas porque a natação vai ser boa...

Eu estou nesse momento, lutando para conseguir nadar junto com a minha mãe e irmã.
Meu nome é Jessica Djehdian, tenho 19 anos e sou estudante de Jornalismo. Além do fato de que eu não falo muito sobre os meus sentimentos e que eu não suporto laticíneos, não há nada muito concreto para apresentar aqui além disso.

Em janeiro de 2011 descobrimos de modo repentino que minha mãe estava habitando (e sim, vou falar como se fosse um alien porque pra mim, é) um colangiocarcinoma de quarto grau em seu fígado, ou seja, um câncer no pior grau possível.

Antes de aprofundar nisso, faço questão de falar da minha mãe, porque afinal, o que é esse câncerzinho de quarto grau comparado à mulher que minha mãe é?
Valéria Djehdian: a melhor mãe que uma pessoa pode ter e mulher mais forte que alguém pode conhecer e a melhor amiga que existe no mundo. Não consigo listar a quantidade de coisas que ela já passou, mas posso dizer que ter assistido ela passar por tudo isso com tanta classe e força, só faz eu aspirar mais ser como ela. Ela é a única pessoa que eu conheço que mesmo doente, se importa mais com a dor dos outros diante disso, do que a própria dor.
Preciso enfatizar também o orgulho que eu sinto dela. O fígado dela pode não valer nada agora, mas o coração vale ouro.
Canceriana que sou, sempre fui muito grudada na minha mãe e acima de tudo, carente. Eventualmente chegou um momento na minha vida onde passei a confundir a carência com a admiração, com querer observar todos os passos dela pra ver se eu conseguiria um dia fazer igual.
Palavras não existem para descrever o amor que sinto pela minha mãe, o respeito e o quanto eu luto todos os dias para retribuir (ou pelo menos tentar), tudo o que ela fez por mim.
Além de sempre me defender com unhas e dentes, me ensinou valores puros, cuidou de mim e da minha irmã como se fossemos as jóias mais raras do mundo. Me deu um abraço quando eu precisava, uma palavra de amor, um incentivo.
Não consigo expressar a gratidão que eu sinto por Deus ter me dado uma mãe dessas, que se importa comigo, que me ama mais do que tudo e que vive por mim.
Qualquer ação dela diante desse câncer eu vejo que não é por ela, mas por mim e pela minha irmã.

Bom, eu nem sei como eu começo a falar desse câncer, porque em voz alta pra mim ja é difícil.. mas vamos lá.

Tudo começou quando ela ia viajar para NY e no mesmo dia sentiu uma dor ridiculamente forte no estômago. Me ligou chorando falando para eu me arrumar que iríamos no hospital. No fim da tarde já estávamos sentadas nas cadeiras do Hospital São Luiz esperando chamarem minha mãe, mas tinha São Paulo inteira esperando na frente dela, então ficou desagradável.

Enfim, os médicos fizeram uma ressonância nela e viram que havia uma 'massa' em seu fígado que estava comprimindo seu estômago, por isso a dor. Na hora de me contar, ela manteve a maior calma do mundo e me disse com uma voz doce 'filhinha, eles acharam uma massa no meu fígado e querem que eu fique aqui para eles darem uma olhada no que é, vai pra casa, descansa e amanhã você volta'. -Nota: minha mãe deixou claro desde o começo que nao mentiria para nós duas em nenhum momento durante essa trajetória.- Continuando.. louca do jeito que eu sou, comecei a chorar porque naturalmente fiquei assustada, era a primeira vez que veria minha mãe em uma cama de hospital minha vida toda, a mulher que eu achava que era de aço. A estadia no pronto-socorro também não ajudou muito: minha mãe ficou durante 26 HORAS deitada naquele saco de areia que eles chamam de 'leito', morrendo de dor porque não havia lugar na BOSTA (desculpa mas it is what it is) de hospital. Após 5 episódios nos quais eu fui até o balcão e fui bem grossa com o enfermeiro, minha mãe conseguiu um quarto.

Depois de uns 2,3 dias de exames e biópsias (sim gente, não é só gente morta que ganha isso) os médicos pegaram um horário super propício para dar a notícia: quando só estávamos eu e minha mãe no quarto. Com aquela super energia legal de 'você não dura até amanhã' que os médicos entraram no quarto, vocês já podem imaginar o que a gente tava sentindo. O médico e o enfermeiro se apoiaram no pé da cama e enquanto o SUPOSTO médico olhava pro chão, o ENFERMEIRO disse: 'nós fizemos a biópsia e encontramos 3 gângleos inchados... e eles são malignos'. Me diz meu povo, O QUE VOCÊS PENSAM QUANDO ESCUTAM A PALAVRA 'MALIGNO'??? Pois é, não pensam em nada, é isso que aconteceu comigo. Depois de ouvir 'maligno' eu parei de escutar, eu não consegui. Aquilo ficou fazendo um eco eterno na minha cabeça. Como assim a minha mãe, a pessoa que eu mais amo no mundo, com câncer? QUE? Só quero enfatizar também que isso validou a minha teoria de que 'ser saudável e não comer gordura trans' é falsa, porque minha mãe não bebia, ela se exercitava, se cuidava E NÃO COMIDA GORDURA TRANS (percebam meu amor por gordura trans).

Só sei que ouvi minha mãe perguntando 'então é câncer?', vi o médico afirmando com a cabeça e quando olhei de novo para a minha mãe, ela estava me olhando. Foi um momento lindo e triste ao mesmo tempo, parecia que o médico nem estava lá falando como a gente ia proceder, a quimio, o tratamento. Ela me olhou com lágrimas nos olhos com uma cara de 'faltava isso né filhinha?'. Eu vi o quanto ela queria sair daquela cama e me abraçar, mas os fios que estavam ligados á ela dando soro, não deixaram.

Os médicos saíram do quarto depois de apertar minha mão (EU CHORANDO E O CARA VINDO APERTAR MINHA MÃO, PRÊMIO FALTA DE SIMANCOL DO ANO) e assim que eu ouvi a porta fechar, comecei a pirar. Olhando agora eu me arrependo profundamente da minha reação. Dane-se que eu fiquei triste sabe, é minha mãe com tá com câncer, era pra eu consolar ela, não o contrário. Levantei, fui pra janela e comecei a me abanar com as mãos, em desespero.

Olha, eu queria muito tentar explicar o que eu tava sentindo, mas não dá. Aquilo me consumiu em 2 segundos e tava se transformando em uma dor física. Minha mãe, sentada, me deu meu tempo e enquanto isso, ligou para minha irmã, que estava viajando. Nem ouvi como minha irmã reagiu, entrei em hipnose, foi muito estranho.Quando me reconstituí, fui até minha mãe e sentei do lado dela. 'Eu vou fazer a quimio, e enquanto tiver remédio eu vou tomar, mas a única coisa que não vou aguentar é ver vocês mal'.

Aquela 1 semana que ela ficou no hospital foi como se eu fosse uma lata de coca-cola e jogassem uma mentos lá dentro e depois fechassem (pra quem não sabe, fazendo isso, a coca explode em um nível vulcânico). Parecia que tinha uma corda no meu pescoço, e que eu não podia mostrar fragilidade com medo de deixar minha mãe triste.. com medo daquilo piorar.. eu estava desesperada e realmente não sabia o que fazer, então comecei a fingir que estava bem. Olha, outra coisa que vocês precisam saber sobre mim: eu finjo SEMPRE que eu to bem. SEMPRE. Tem que me conhecer muito pra saber que eu não to bem, e até hoje as únicas pessoas que obtiveram sucesso nisso foi minha mãe e minha irmã... e uns 2 amigos.

Quando eu consegui abrir a boca pra falar alguma coisa entre as minhas lágrimas, disse que iria dormir em casa aquela noite, chorar o que tinha pra chorar, gritar o que tinha pra gritar e que no dia seguinte voltaria mais calma e que nunca mais choraria por causa desse câncer. Dito e feito, saí de lá em estado de dormência e vim pra casa. O engraçado foi que quando cheguei, sentei no chão da sala, de frente pra janela e fiquei pensando. Enquanto eu pensava, a luz dos raios anunciando a chuva iluminava minha sala. Parecia que os raios acompanhavam meus pensamentos, eram muitos.

Com o celular do lado, comecei a receber milhares de ligações, e não quis atender nenhuma, só minha irmã. Ela perguntou como eu estava e disse que iríamos lutar juntas, que precisávamos dar apoio á minha mãe. Ela estava calma, me passou essa calma, era o que eu precisava. Minha irmã tem esse efeito em mim... ás vezes a única pessoa que consegue conversar comigo é ela.Chamei 2 amigos para virem ficar comigo até eu dormir, e no dia seguinte cedinho fui para o hospital com a armadura e a espada.
Pensando comigo mesma agora, talvez tenha começado a escrever esse blog muito tarde... até o próximo post.