sexta-feira, 9 de março de 2012

A Realidade Se Tornando Visível

É difícil sentar e assistir a pessoa que você mais ama o mundo chorando enquanto fala que não se sente mais ela mesma. Ver ela deixando de fazer a unha pela primeira vez na vida (a mão da minha mãe sempre foi uma coisa muito marcante pra mim, sempre com as unhas vemelhas) porque a unha está fraca e ela tem medo de pegar uma infecção por qualquer corte bobinho. É triste ver essa pessoa falando em um momento de sensibilidade que não quer ficar igual a avó, que também teve câncer, como se fosse um desabafo de uma criança que assistiu a dor da avó com medo.
Na noite que eu fiquei sabendo que minha mãe tinha câncer eu vim pra casa e sentei na frente do computador. Entrei no Google e comecei a procurar sobre o câncer dela, acho que desesperadamente tentando encontrar uma resposta, uma justificativa (porque afinal eu achava que tudo tinha controle) para aquilo, mas não encontrei. O colangiocarcinoma ainda não teve uma definição, é muito raro, essa é a única explicação que eu ouvi e li várias e várias vezes.  
A parte mais difícil é sentar, assistir e não poder fazer NADA. Claro, eu faço o possível e o impossível para tornar certas situações menos dolorosas possíveis, mas tem vezes que não dá. Tem vezes que eu só posso sentar e ouvir minha mãe desabafando, chorando. Não dá pra fugir. Cada tosse é um lembrete, cada 'ai' de dor.
Lembro como se fosse ontem da primeira vez que a doença se tornou real para mim. Ela já tinha começado a quimioterapia mas não havia apresentado nenhum dos sintomas. Em uma manhã de sábado, entrei no quarto dela para dar bom dia (como sempre faço) e me deparei com a minha mãe ajoelhada no chão, vomitando na privada do banheiro e chorando. Ela sempre odiou vomitar, sente aflição, e acho que o fato daquilo poder virar constante era assustador pra ela.

Escrevendo isso aqui faz eu ficar com lágrimas nos olhos, porque acho que nunca senti uma impotência maior na minha vida, uma dor que beirou á dor física. A doença tinha se tornado palpável, visível aos olhos. Por alguns segundos fiquei paralisada, sem saber o que fazer, como reagir. Quando a situação assentou no meu cérebro, fui ajudá-la. Tentei deixar o mais claro possível que era o remédio fazendo aquilo, não a doença, foi o único consolo que consegui.
Depois de alguns meses, minha avó veio morar com a gente por problemas de saúde. Ela nunca lidou muito bem com a doença da minha mãe, sempre se segurou muito á respeito disso, tentando manter a compostura. Eu vi a minha avó chorar duas vezes durante essa doença, uma de felicidade e uma de tristeza. A vez em que ela chorou de felicidade foi quando o médico veio nos contar que não havia sinal de câncer nos outros órgãos. A de tristeza foi porque ela, sem querer, entrou no quarto da minha mãe e viu a mesma cena que eu havia visto que tanto me assustou.
Eu estava junto com a minha mãe e ouvi a porta abrir, vi minha avó com uma expressão que nunca vou esquecer, assustada. Depois de quase sussurrar um ‘desculpa’, ela saiu do quarto. Quando terminei de ajudar minha mãe, fui até a sala e encontrei minha avó de braços cruzados olhando a vista, do mesmo jeito que eu fiquei quando fiquei sabendo de tudo.

Eu sabia a dor que ela estava sentindo. Eu já senti aquilo, mas acho que para uma mãe deve ser a dor multiplicada por 1000. Acho que foi a  primeira vez na minha vida que vi minha avó perder a compostura, desarmada, com medo. Conversei com ela e disse que ela podia conversar comigo á qualquer hora, que tínhamos que dar força para a minha mãe, apesar da situação ser assustadora. Deixei claro novamente que o que fazia minha mãe passar mal era o remédio e não a doença.  Ela ficou com vergonha porque havia desabado perto de mim, percebi isso. Ela sempre era muito controlada. (e linda)

Tal avó, tal mãe, tal filha. Nas qualidades e nos defeitos. (apesar dos defeitos não serem muito saudáveis)

PS: Peço desculpas á todos porque ainda não consegui falar da morte da minha avó durante esse ano, ainda é um assunto muito sensível para mim. Prometo que vou chegar lá! Um cadeado de cada vez!

Um comentário:

  1. Jessica, lendo este seu texto hoje, eu também chorei. Eu consigo entender a dor que você está sentindo. Eu também gostaria muito de ter este poder de tornar tudo isso menos doloroso e pesado para vocês. Te ofereço o meu apoio, se quiser desabafar, conversar a qualquer momento sobre isso , esta nossa impotência ..Acredite em Deus, busque apoio e força nele. Você já esta sendo uma menina muito ..muito forte. . Beijos, Denyse

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