quinta-feira, 24 de maio de 2012

From Super-Hero to Super Angel

Achei que nunca mais escreveria nesse blog. Esse último mês da minha vida foi tão obscuro, tão cego e sem sentidos e ao mesmo tempo tão cheio de emoções. Não sei como começo a falar sobre isso, porque ainda em voz alta me dói ouvir tais palavras. Nesse último sábado, dia 19 de maio, o céu ganhou mais uma estrela.
Minha amada mãe faleceu.
Estou dormente, anestesiada. Relembrando esse último 1 ano e meio, conversei abertamente á respeito de morte com a minha mãe, perguntava se ela tinha medo de morrer, se ela achava que fosse morrer. As respostas sempre eram as mesmas, com os olhos marejados de lágrimas: "Daria tudo para ver vocês crescerem, mas é o que temos pro momento". Tive a chance de ouvir da boca da minha mãe como seria quando ela morresse, que ela com certeza sempre que pudesse ia aparecer em sonhos pra gente, e que não era pra ninguém ficar jogada no chão se descabelando porque não foi isso que ela ensinou.
Esse último mês foi horrível e lindo ao mesmo tempo. Tive a oportunidade de ver como minha mãe é um ser iluminado, como ela conseguia fazer o ambiente mais pesado do mundo leve como uma pena. Ela fazia o dia de todos os funcionários do hospital melhor, sabia o nome de todos e sempre oferecia uma coisinha para eles comerem (e por 'coisinha', le-se 'quiosque de doces') quando iam ver 'se ela ainda estava viva', como ela mesma dizia.
A coisa mais dura da minha vida foi ter que ver minha mãe chegar no estado em que ela chegou. O sentimento mais devastador do mundo foi ficar sentada assistindo, sem poder fazer absolutamente nada. Minha mãe aos poucos foi se apagando diante dos meus olhos.
Devido á grande quantidade de remédios que ela estava tomando nessa última semana, grande parte do tempo ela passava meio grogue, e ainda sim conseguia fazer todos ao seu redor rirem.
Em um dia em especial, uma amiga dela pediu que entregassem comida japonesa no hospital, foi o melhor almoço que já tive na minha vida. Eu, minha irmã e minha mãe, comendo japonês e nos divertindo com a minha mãe groguinha colocando os palitinhos na cabeça fingindo ser uma gueixa.
Nessa última semana da minha mãe, nunca me senti tão morta por dentro. Mal dormia, não tinha vontade de comer, apenas tomava Coca-Cola porque era líquido e era o que conseguia passar pela minha garganta. Eu já tinha entendido o que estava prestes a acontecer, mas não havia aceitado.
Na quinta-feira á noite, o médico veio até o quarto e nos disse que nas próximas 24h minha mãe iria embora.
Não consegui reagir de outra maneira além de segurar a mão dela enquanto ela dormia no sono mais profundo, e começar a chorar. Parecia que tinham tirado uma coisa dentro de mim do jeito mais bruto possível. Meus primos chegaram logo depois, e minha mãe acordou. Por incrível que pareça, tivemos a genial idéia de começar a tirar fotos. Não me pergunte o porque, já que todo mundo estava com a cara mais inchada e de choro do mundo. Minha mãe sorriu em todas as fotos, mesmo mal tendo força para deixar seus olhos abertos. Nos divertimos, rimos, amamos.
Naquela noite me despedi, não conseguia mais ficar lá, não iria conseguir voltar. Me despedi da minha mãe, disse que á amava. Ela, com os braços trêmulos, pediu um abraço. Me curvei e apertei ela como se estivessem cortando um membro meu fora.
Ela apenas me disse que queria ver 'alegria nos meus olhos de novo'. Fiz questão de deixar claro que ela foi a melhor mãe do mundo, a melhor que alguém pode ter. O imenso orgulho que eu sentia dela. Á abracei, virei as costas e fui embora.
Em uma conversa que tive com a minha tia de consideração, ela me perguntou se eu não achava que minha mãe estava com medo de ir por preocupação comigo. Nunca tinha pensado daquele jeito. Aquilo ficou martelando na minha cabeça.
No dia seguinte, estava decidida á não ir mais no hospital, não queria ver minha mãe morrer, não ia suportar essa imagem na minha cabeça.
Como sempre fazia, liguei para a minha irmã (que foi um anjo pra mim esses dias, dormiu no hospital e não queria que eu ficasse lá pra não ver minha mãe daquele jeito) e perguntei como estava minha mãe. Ela pediu pra falar comigo e pegou o celular da mão da minha irmã. Com uma voz bem grogue, ela perguntou se eu iria ao hospital naquele dia. Impossível eu falar que não. Ainda mais depois ela ter dito que ia me esperar acordada. Fui para o hospital na sexta-feira e tive que me despedir mais uma vez da minha mãe. Não consegui me conter e chorei, mas chorei muito. Ela me abraçou e disse que não queria que nos despedíssemos daquele jeito, comigo chorando. Com aquilo que minha tia grudado na minha cabeça, disse que não tinha problema dela ir embora, que eu iria ficar bem por causa das coisas que ela havia me ensinado, por causa DELA. Ela me deu um abraço forte, disse que me amava muito e que fui a melhor filha que alguém pode ter. Ajudamos ela a tirar o anel que ela sempre usava no dedão, que ela comprou quando eu tinha 7 anos no aeroporto. O anel possui 3 estrelas, que ela sempre dizia que eram eu, minha irmã e ela. Ela nos deu o anel e pediu que deixássemos em um lugar que não fosse cair. Está em um colar no meu pescoço.
Em um desses posts, disse que toda vez que eu saía do hospital, parecia que deixava um membro lá. Esse dia eu deixei meu coração inteiro.
No sábado á tarde, havia saído para comprar coisas para almoçar no Pão de Açúcar, e quando voltei pra casa, entrei no quarto da minha mãe, deitei na cama e comecei a chorar. Meus lindos amigos vieram me acudir, ficar comigo, mesmo que em silêncio.
Chorava porque ia perder minha heroína, minha melhor amiga, minha essência. Chorava porque achava injusto depois de tudo o que passamos juntas, iria perder minha mãe. Chorava por medo de como seria, por angústia, por desespero.
Depois de 15 minutos, meus amigos me puxaram para a mesa do almoço e depois da segunda garfada, minha prima me ligou. Quando atendi o telefone, ela disse 'Jé? Oi.... ela foi embora'.
Não consegui reagir, perdi a força no corpo e deixei o telefone cair da minha mão. Abracei minha cabeça e chorei desesperadamente. Nunca senti tanta coisa junta na minha vida.
Fiquei com falta de ar, raiva, dei socos na janela e no armário, perdi o controle.
Depois disso fiquei em estado quase que catatônico. Domingo tivemos o enterro.
Nunca achei que o dia em que enterraria minha mãe estaria tão perto.
Cheguei atrasada e quando o padre começou a rezar, mal consegui me manter em pé, meu tio me segurava. Só consegui olhar as fotos que estavam postas no caixão, fotos da minha mãe linda, comigo, com a Sté, com a família. A foto que estava no topo do caixão? A minha e dela.
Comecei a sentir minhas pernas bambas e me recusava a desmaiar, então fui até o banco lá fora e pedi que me deixassem sozinha.
Vou ser sincera. Não lembro de nada. Mal lembro de quem foi, o que falaram pra mim. Não lembro.
Sei que abaixei a cabeça e quando levantei, estava cercada de amigos. Amigos que eu nem nunca achei que iriam. Gente que eu estava brigada e que mesmo assim foi, pessoas que não via há anos.
Naquele momento, eu senti uma leveza que não sentia há muito tempo. O dia estava uma delícia, o ar gelado e um sol tímido entre as nuvens.
Depois do velório, não quis acompanhar o enterro, fiquei no banco, sentada, conversando com meus amigos.
Falando neles, não tenho palavras pra começar a agradecer. Não tenho. Eu aprendi o que é amizade em 5 dias. Amigos que dormiram comigo do dia que eu fiquei sabendo da previsão até o dia em que minha mãe foi embora, gente que não parava de me ligar, que correram pra minha casa assim que souberam. Anjos que cozinhavam pra mim, me obrigavam a comer e conseguiam me fazer rir. Conseguiram me fazer ficar em pé quando eu achava que nem sair da cama eu conseguiria. Juro por Deus, eu vou passar minha vida tentando retribuir todo o amor e carinho que estou recebendo, é o que tem me mantido. Não tenho mais amigos, tenho irmãos, irmãos escolhidos.
Minha irmã me segurou. Quis me poupar de todo e qualquer sofrimento, me colocou na frente dela, se preocupou comigo o tempo inteiro, do começo ao fim, se tornou a mulher que minha mãe nos ensinou a ser, se não tivesse ela não sei o que teria acontecido.
Minha terapeuta costuma falar que 'para chegar na parte boa, é preciso passar pela parte ruim'. A grande realidade é que já passei pela parte ruim, já estava afundada na parte ruim. Essa seria a parte 'boa'. Me recuso a ficar jogada na cama chorando, não vivendo. Minha mãe ficaria P DA VIDA se eu ficasse assim. Quero pensar que ela está bem agora. Está na praia que ela tanto amava, nadando no mar... Com o meu avô, minha avó e minha cachorra. O amor não é pra prender as pessoas, e sim para libertar.
Seria MUITO egoísta da minha parte querer minha mãe aqui sofrendo do jeito que ela estava, chorando quase todas as noites porque não aguentava mais.
Eu amo minha mãe mais do que tudo. É o amor mais puro e forte do universo. Já ouvi falar que almas gêmeas não são necessariamente um casal. Podem ser amigos, ou irmãos, uma avó e uma neta. No meu caso, era minha mãe.
Quero que ela fique bem acima de tudo, dane-se o sofrimento, só quero isso, ela merece mais do que ninguém. Por tudo que ela já fez por mim, o mínimo que eu posso fazer é deixar ela ir e ficar bem.
Sei que ela vai estar me olhando. Sei que ela viu eu pegar minha carta de motorista ontem, sei que ela vai ver eu fazer 20 anos daqui 1 mês. A única diferença é que agora ela vai ver de camarote.
Estrela no céu ela já tem, quer camarote melhor do que esse?
No dia 19 de maio, minha super heroína virou um super anjo. O nosso anjo.
Posso encher o peito e falar com todo o orgulho do mundo que minha mãe foi quem foi.
Ela venceu a doença, pode não ter se curado, mas não deixou sua luz apagar, isso é a maior vitória que alguém pode ter.
Sou a filha mais orgulhosa do universo, falarei da minha mãe com um sorriso no rosto sempre, e contarei como ela venceu o câncer, venceu na vida, venceu no trabalho de mãe.
Amo minha estrela e como prometido, no buraco do pedaço do meu coração que você levou junto, sempre vai ter um jardim de rosas, um jardim cheio de lembranças lindas, sorrisos, o seu sorriso.
Te amo mãe.

12 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Jéssica, esteja segura que suas palavras, seus pensamentos o seu amor, chegam até a sua Estrela em forma de bálsamo para o seu espírito. Eu sei que ela ama muito vcs duas e continuará amando por toda eternidade. Na programação dela aqui na Terra, ela encaminhou duas Mulheres para seguirem sem ela a partir do dia 19/05 e isso é muito importante para todos. A saudades sempre existirá, minha Amada partiu a 6 anos e meus filhos e eu sentimos sua falta todos os dias mas, temos que ir adiante sempre. Jéssica e Stephanie, não quero perder contacto com vcs e lembrem-se contem comigo SEMPRE, afinal como vc disse, sua Mãe ficaria P DA VIDA se eu não estiver por perto qdo vcs precisarem. Un beijo enrome e fiquem em paz. Ricardo

    ResponderExcluir
  3. NOSSA!
    Lindo... maravilhoso...
    Parábens pela linda filha que você é, e pela sua mãe sensacional!!

    ResponderExcluir
  4. Jéssica querida, como escrevi no face, é o relato mais lindo que li nos últimos tempos, pela sua sensibilidade, espontaneidade, riqueza de alma , de espirito, de sabedoria, de emocões. Tenha certeza de uma coisa...sua mãe já conseguiu , já conseguiu fazer de você uma pessoa linda e preparada para a vida. Fique com Deus, fique com ela, fique com os anjos.

    ResponderExcluir
  5. Me emocionei muito , nunca imaginei que a jé bravinha que eu conheci pequena e moleca (hahah mas agente era mesmo ) ia se tornar uma mulher tao forte que escreve tao bem jessi, vc e sua Mãe fizeram um trabalho maravilhoso criando esses blogs que narram essa jornada tao difícil de um jeito leve e lindo. Parabéns amiga!

    ResponderExcluir
  6. Sua mãe leu e ficou orgulhosa de ter 2 princesas!! Isso mesmo Prin, seja forte como ela sempre foi! Bjs

    ResponderExcluir
  7. Lindaa, acho que me emocionei mais que o normal. Talvez por me colocar tanto no seu lugar e estarmos sempre em situações parecidas (um pouco opostas mas parecidas). Quantas vezes que eu voltava de Barretos triste pelo meu Vô, vc um pouco cabisbaixa pela sua Mãe e a gente pensava sempre que tudo ia ficar bem, que essa tempestade ia passar. E passou, o sofrimento acabou..Não tem nada pior do que vermos aquela pessoa tão amada sofrendo né?! Eu só posso dizer que sempre estarei aqui pra te ajudar seja no que for preciso. Pra te dar um ombro amigo, te fazer passar vergonha na frente do Instituto do Sono repetindo um milhão de vezes a passagem que não fica boa, ouvir você cantando a mesma música até ela ficar grudada na minha cabeça e até aceitar levar uns tapas "carinhosos" seus. Eu sei que muitas vezes não demonstro mas te amo e muito. E tenho MUITO orgulho de ter você como amiga e estar sempre por perto. Seu texto ficou lindo, mais um motivo de orgulho pra sua mãe..a faculdade de Jornalismo está valendo a pena!! Ah, e acredite, sua mãe sempre estará do seu lado mesmo.. E quer coisa melhor que proteção de mãe? Fica bem meu amor, te amo!

    ResponderExcluir
  8. Não somos próximas nem nada, mas quero prestar a você toda a minha solidariedade. Sei que agora não adianta falar nada, mas quando a dor passar lembre só dos momentos bons ao lado de sua mãe... Dos carinhos, das risadas... Ela continua viva, em outro plano, mais viva.

    Que Deus e os Espíritos de Luz acalmem seu coração.
    Beijos

    ResponderExcluir
  9. Sei que faz tempo que não nos vemos. Mesmo assim, ando acompanhando o que vem acontecendo, desde o começo do ano passado. Queria ter ido no domingo, mas não deu...
    Fico muito feliz por você olhar essa situação com cabeça erguida. Depois de tudo que você passou, o certo é seguir a vida e não sofrer pelo passado... só lembrar dos bons momentos da vida!
    Sua mãe É uma pessoa maravilhosa! Ela sempre estará do seu lado e do da Sté, guiando vocês independentemente do que acontecer.

    ResponderExcluir
  10. Eu nem te conheço, eu cliquei sem querer no link que a Natalie Pierotti colocou no Face (eu sou da sala dela na facul).Meu nome é Victor e eu só queria dizer que eu sinto muito pelo oq aconteceu com vc mesmo, eu se ique não adianta muito mas eu precisava falar depois de ler esse texto lindo que você fez.Sua mãe é uma grande pessoa pelo jeito e parece que vc também, por isso não precisa ficar triste , pq vai dar tudo certo, que nem voce falou, o pior já passou.Vai dar tudo certo mesmo.

    ResponderExcluir
  11. Jé, simplesmente lindo!!!Vcs são especiais e guerreiras como sua mãe, com certeza a estrela Lela está brilhando mais do que nunca de tanto orgulho de vcs. Estarei sempre aqui...contem comigo para o que vcs precisarem...milhões de bjos no ♥

    ResponderExcluir
  12. Jessie, fiquei muito emocionada e impressionada como vc conseguiu retratar esses momentos de forma tão profunda. Fico muito orgulhosa por ver como vc está conseguindo lidar com essa situação de forma serena e sendo bastante forte, como sua mãe queria. A Lela estará sempre nos nossos corações e tenho certeza que ela acompanhará vc e a Sté em todos os momentos das suas vidas. Contem comigo para o que precisarem. bjs

    ResponderExcluir