quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A apresentação

Chega um momento em nossas vidas no qual Deus nos joga no meio de um mar imenso e profundo, sem bóias ou colete salva-vidas para ver quem consegue nadar. Já aviso que não é só uma vez na vida, então podem ir malhando essas pernas porque a natação vai ser boa...

Eu estou nesse momento, lutando para conseguir nadar junto com a minha mãe e irmã.
Meu nome é Jessica Djehdian, tenho 19 anos e sou estudante de Jornalismo. Além do fato de que eu não falo muito sobre os meus sentimentos e que eu não suporto laticíneos, não há nada muito concreto para apresentar aqui além disso.

Em janeiro de 2011 descobrimos de modo repentino que minha mãe estava habitando (e sim, vou falar como se fosse um alien porque pra mim, é) um colangiocarcinoma de quarto grau em seu fígado, ou seja, um câncer no pior grau possível.

Antes de aprofundar nisso, faço questão de falar da minha mãe, porque afinal, o que é esse câncerzinho de quarto grau comparado à mulher que minha mãe é?
Valéria Djehdian: a melhor mãe que uma pessoa pode ter e mulher mais forte que alguém pode conhecer e a melhor amiga que existe no mundo. Não consigo listar a quantidade de coisas que ela já passou, mas posso dizer que ter assistido ela passar por tudo isso com tanta classe e força, só faz eu aspirar mais ser como ela. Ela é a única pessoa que eu conheço que mesmo doente, se importa mais com a dor dos outros diante disso, do que a própria dor.
Preciso enfatizar também o orgulho que eu sinto dela. O fígado dela pode não valer nada agora, mas o coração vale ouro.
Canceriana que sou, sempre fui muito grudada na minha mãe e acima de tudo, carente. Eventualmente chegou um momento na minha vida onde passei a confundir a carência com a admiração, com querer observar todos os passos dela pra ver se eu conseguiria um dia fazer igual.
Palavras não existem para descrever o amor que sinto pela minha mãe, o respeito e o quanto eu luto todos os dias para retribuir (ou pelo menos tentar), tudo o que ela fez por mim.
Além de sempre me defender com unhas e dentes, me ensinou valores puros, cuidou de mim e da minha irmã como se fossemos as jóias mais raras do mundo. Me deu um abraço quando eu precisava, uma palavra de amor, um incentivo.
Não consigo expressar a gratidão que eu sinto por Deus ter me dado uma mãe dessas, que se importa comigo, que me ama mais do que tudo e que vive por mim.
Qualquer ação dela diante desse câncer eu vejo que não é por ela, mas por mim e pela minha irmã.

Bom, eu nem sei como eu começo a falar desse câncer, porque em voz alta pra mim ja é difícil.. mas vamos lá.

Tudo começou quando ela ia viajar para NY e no mesmo dia sentiu uma dor ridiculamente forte no estômago. Me ligou chorando falando para eu me arrumar que iríamos no hospital. No fim da tarde já estávamos sentadas nas cadeiras do Hospital São Luiz esperando chamarem minha mãe, mas tinha São Paulo inteira esperando na frente dela, então ficou desagradável.

Enfim, os médicos fizeram uma ressonância nela e viram que havia uma 'massa' em seu fígado que estava comprimindo seu estômago, por isso a dor. Na hora de me contar, ela manteve a maior calma do mundo e me disse com uma voz doce 'filhinha, eles acharam uma massa no meu fígado e querem que eu fique aqui para eles darem uma olhada no que é, vai pra casa, descansa e amanhã você volta'. -Nota: minha mãe deixou claro desde o começo que nao mentiria para nós duas em nenhum momento durante essa trajetória.- Continuando.. louca do jeito que eu sou, comecei a chorar porque naturalmente fiquei assustada, era a primeira vez que veria minha mãe em uma cama de hospital minha vida toda, a mulher que eu achava que era de aço. A estadia no pronto-socorro também não ajudou muito: minha mãe ficou durante 26 HORAS deitada naquele saco de areia que eles chamam de 'leito', morrendo de dor porque não havia lugar na BOSTA (desculpa mas it is what it is) de hospital. Após 5 episódios nos quais eu fui até o balcão e fui bem grossa com o enfermeiro, minha mãe conseguiu um quarto.

Depois de uns 2,3 dias de exames e biópsias (sim gente, não é só gente morta que ganha isso) os médicos pegaram um horário super propício para dar a notícia: quando só estávamos eu e minha mãe no quarto. Com aquela super energia legal de 'você não dura até amanhã' que os médicos entraram no quarto, vocês já podem imaginar o que a gente tava sentindo. O médico e o enfermeiro se apoiaram no pé da cama e enquanto o SUPOSTO médico olhava pro chão, o ENFERMEIRO disse: 'nós fizemos a biópsia e encontramos 3 gângleos inchados... e eles são malignos'. Me diz meu povo, O QUE VOCÊS PENSAM QUANDO ESCUTAM A PALAVRA 'MALIGNO'??? Pois é, não pensam em nada, é isso que aconteceu comigo. Depois de ouvir 'maligno' eu parei de escutar, eu não consegui. Aquilo ficou fazendo um eco eterno na minha cabeça. Como assim a minha mãe, a pessoa que eu mais amo no mundo, com câncer? QUE? Só quero enfatizar também que isso validou a minha teoria de que 'ser saudável e não comer gordura trans' é falsa, porque minha mãe não bebia, ela se exercitava, se cuidava E NÃO COMIDA GORDURA TRANS (percebam meu amor por gordura trans).

Só sei que ouvi minha mãe perguntando 'então é câncer?', vi o médico afirmando com a cabeça e quando olhei de novo para a minha mãe, ela estava me olhando. Foi um momento lindo e triste ao mesmo tempo, parecia que o médico nem estava lá falando como a gente ia proceder, a quimio, o tratamento. Ela me olhou com lágrimas nos olhos com uma cara de 'faltava isso né filhinha?'. Eu vi o quanto ela queria sair daquela cama e me abraçar, mas os fios que estavam ligados á ela dando soro, não deixaram.

Os médicos saíram do quarto depois de apertar minha mão (EU CHORANDO E O CARA VINDO APERTAR MINHA MÃO, PRÊMIO FALTA DE SIMANCOL DO ANO) e assim que eu ouvi a porta fechar, comecei a pirar. Olhando agora eu me arrependo profundamente da minha reação. Dane-se que eu fiquei triste sabe, é minha mãe com tá com câncer, era pra eu consolar ela, não o contrário. Levantei, fui pra janela e comecei a me abanar com as mãos, em desespero.

Olha, eu queria muito tentar explicar o que eu tava sentindo, mas não dá. Aquilo me consumiu em 2 segundos e tava se transformando em uma dor física. Minha mãe, sentada, me deu meu tempo e enquanto isso, ligou para minha irmã, que estava viajando. Nem ouvi como minha irmã reagiu, entrei em hipnose, foi muito estranho.Quando me reconstituí, fui até minha mãe e sentei do lado dela. 'Eu vou fazer a quimio, e enquanto tiver remédio eu vou tomar, mas a única coisa que não vou aguentar é ver vocês mal'.

Aquela 1 semana que ela ficou no hospital foi como se eu fosse uma lata de coca-cola e jogassem uma mentos lá dentro e depois fechassem (pra quem não sabe, fazendo isso, a coca explode em um nível vulcânico). Parecia que tinha uma corda no meu pescoço, e que eu não podia mostrar fragilidade com medo de deixar minha mãe triste.. com medo daquilo piorar.. eu estava desesperada e realmente não sabia o que fazer, então comecei a fingir que estava bem. Olha, outra coisa que vocês precisam saber sobre mim: eu finjo SEMPRE que eu to bem. SEMPRE. Tem que me conhecer muito pra saber que eu não to bem, e até hoje as únicas pessoas que obtiveram sucesso nisso foi minha mãe e minha irmã... e uns 2 amigos.

Quando eu consegui abrir a boca pra falar alguma coisa entre as minhas lágrimas, disse que iria dormir em casa aquela noite, chorar o que tinha pra chorar, gritar o que tinha pra gritar e que no dia seguinte voltaria mais calma e que nunca mais choraria por causa desse câncer. Dito e feito, saí de lá em estado de dormência e vim pra casa. O engraçado foi que quando cheguei, sentei no chão da sala, de frente pra janela e fiquei pensando. Enquanto eu pensava, a luz dos raios anunciando a chuva iluminava minha sala. Parecia que os raios acompanhavam meus pensamentos, eram muitos.

Com o celular do lado, comecei a receber milhares de ligações, e não quis atender nenhuma, só minha irmã. Ela perguntou como eu estava e disse que iríamos lutar juntas, que precisávamos dar apoio á minha mãe. Ela estava calma, me passou essa calma, era o que eu precisava. Minha irmã tem esse efeito em mim... ás vezes a única pessoa que consegue conversar comigo é ela.Chamei 2 amigos para virem ficar comigo até eu dormir, e no dia seguinte cedinho fui para o hospital com a armadura e a espada.
Pensando comigo mesma agora, talvez tenha começado a escrever esse blog muito tarde... até o próximo post.

Um comentário:

  1. linda a iniciativa amiga! vou ficar acompanhando o blog! te amo muito! força pra voce, pra mami e pra sté!

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