quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Saudade

Saudade

Sinto falta do seu sorriso, da sua voz, do seu abraço. Não só sinto falta dessas coisas clichês, mas sinto falta de tudo que fazia de você, VOCÊ.
Sinto falta dos nossos domingos pedindo América e comendo enquanto assistíamos filmes da Disney. Sinto falta esforço que você fazia para atender essa minha insuportável carência.

Sinto falta da sua falta de paciencia de ficar sentada na mesa conversando depois de terminar um almoço, e mais ainda de quando você fazia esse almoço. Sinto falta das infinitas tardes que ficávamos jogando Craddle of Rome, do quão feliz você ficava de passar de nível que até me ligava pra avisar. 
Sinto falta de como qualquer situação perto de você, por mais pesada que fosse, era transformada em uma coisa mais leve que uma pena, mesmo que o vento não pudesse nem move-la alguns centímetros.

Sinto falta de você me pedindo conselhos de roupas todo santo dia. Sinto falta de ir te dar bom dia e você sempre estar passando o delineador nos olhos
Sinto falta de você cantando pela casa, mal, devo acrescentar, mas feliz.

Sinto falta de você me tirando sarro da minha cara porque eu te falava 70000 'te amo' por dia. Sinto falta do quão eu bem eu dormia depois do seu abraço de boa noite.

Sinto falta de você misturando inglês com português, pouco ligando pro que as pessoas achavam ou sequer entendiam.
Sinto falta de como você olhava pra todo mundo antes de olhas pra si mesma, e apesar de saber que isso foi sua ruína, sou a filha mais orgulhosa do mundo. 

Sinto falta da sua praticidade para as coisas, nada com drama, sempre pensando na solução e não no problema.
sinto falta das suas frases de efeito que você repetia pelo menos 5 vezes por dia.. "shit happens!"
Sinto falta de ir dormir sempre com uma lição nova. Sinto falta  de você secando meu cabelo quando
eu tinha preguiça.
Sinto falta  das nossas idas á Liberdade pra comer que nem rainhas nos restaurantes de quilo de lá! 
Sinto falta de você me chamando de draga porque eu como muito.
Sinto falta de você fazer cócegas em mim pra me encher o saco.

Sinto falta de quando você fazia quebra-dedos comigo, e quando só largava depois de eu me contorcer muiiito pedindo pra parar.
Sinto falta do jeito que você me imitava pras pessoas, de como me chamava de Barbie Festa e a Sté
de Barbie Praia.

Sinto falta de acordar em Caraguá e não te encontrar em lugar algum da casa,  sabendo que você já
estava na praia desde as 7 da manhã
Sinto falta da quantidade de vezes que você disse que é besteira eu ter medo de mar, e de quantas vezes você já tentou me levar pra nadar.

Sinto falta da sua felicidade, da sua vida. 
Sinto falta de acordar 10 da manhã e ver você enchendo sua garrafeira na cozinha toda esportista se gabando que tinha dado 3 voltas no parque.
Sinto saudade do quanto batalhava pra ter alguma coisa, e especialmente pra dar pra mim ou para a
Sté.

Sinto saudade de ouvir a porta do elevador abrindo e pensar 'a mamãe chegou'
Sinto saudade do quão presente você foi na vida da gente, de como você é um exemplo de mãe. Sinto falta de você rindo de mim quando eu acordava e não conversada porque estava com sono, e você lá falando "relaxa, ela só acorda depois das 11"

Sinto falta da sua delicadeza, da paz que você passava pra todo mundo. Sinto falta do seu colo que eu tanto preciso agora e não tenho. Sinto falta de como eu nunca me sentia sozinha com você por aqui, isso é muito diferente e ainda preciso me acostumar.

Sinto falta de você me ligando pedindo pra eu dar notícias, o boletim completo. E te discar seu número e ver sua foto aparecendo.

Sinto saudades de perguntar qual esmalte ia ficar bom, e você falando que eu tinha que cortar minha 'juba de leão', meu cabelo.


Eu poderia escrever pra sempre tudo que eu sinto falta, mas no fim das contas o que eu mais sinto falta é de VOCÊ.

Espero que você esteja maravilhosa aí em cima, assim como sempre foi aqui em baixo. 
Te amo pra sempre mãe.

terça-feira, 12 de junho de 2012

É o que temos pro momento

Eu sempre disse que não existe prova de amor maior do que chorarem por você, e nunca achei que chorariam por mim. Quando paro pra tentar lembrar do enterro, vejo todos os rostos á minha volta com olhos inchados, cara vermelha. Não via lágrimas de tristeza, via lágrimas de amor, de carinho, de preocupação, vocês não sabem o quanto isso me acomodou, saber que se importavam comigo e que choravam pela minha dor. Recebi mensagens de pessoas falando o quanto choraram com o meu último texto e quero pedir desculpas! não queria fazer ninguém chorar!  Escrevo todos esses textos pra mim mesma, como um arquivo pessoal, e quem me obrigou á publicá-los foi minha mãe. Nem penso direito que outras pessoas além de mim lêem meus desabafos. Querem culpar alguém culpem ela! Haha..

Enfim, resolvi vir aqui para contar um pouco de como tem sido nossa vida por enquanto. Eu e minha irmã estamos reaprendendo á viver. É até engraçado porque somos quase casadas. Eu cuido da casa, faço comida, vou ao supermercado e minha irmã cuida das coisas burocráticas das quais eu não quero participar. Quem diria que os domingos que passei observando minha mãe inspiradíssima na cozinha viriam á calhar agora, junto com o livro de receitas que nós estávamos fazendo. Caçoava tanto ela que acabei pegando essas inspirações loucas dela pra mim!

Claro, até agora não posso dizer que fiz grandes coisas. Não passei do básico. Arroz, strogonoff, creme de milho, frango.... Coisas fáceis que minha mãe sempre fazia e eu por tabela acabei aprendendo a fazer, eu chego lá!

Ainda é estranho para nós duas. É estranho chegar tarde e não termos nossa mãe para avisar que chegamos. É estranho deixar de fazer coisas que eram da nossa rotina como ligar para ela pra saber como estava o dia, e avisar aonde estávamos. Ás vezes até me pego segurando o celular para ligar pra minha mãe. Sei que uma hora isso passa, sei que uma hora vamos nos acostumar.

Ter liberdade e ter apenas minha consciência e princípios para me impor limites é muito estranho. É bom, mas ao mesmo tempo é como se eu me visse “jogada” no mundo. Sei que tenho minha irmã para me proteger, meu pai e minha família toda. O fato é que não tenho mais aquela asa materna para me esconder quando preciso, aquele conselho que era quase um oráculo, a solução de tudo.

Diante disso, converso bastante com a minha irmã e ela me diz que ás vezes ainda sente a mamãe. Fico feliz de saber isso. Sou bem menos religiosa agora do que era antes (não me culpem, tenho o direito) e fico feliz que alguma coisa ainda consiga passar por cima desse meu semi-ateísmo recente e revoltado, fico feliz que ainda consigo acreditar pelo menos, que minha mãe está com a gente. Acreditem ou não, não gosto de ter ficado assim e espero poder voltar a ter fé, coisa que minha mãe desde que éramos pequenas, introduziu tando na nossa formação.

Eu não falo muito, mas também sinto minha mãe comigo. É engraçado porque em muitas situações escuto a voz dela na minha cabeça falando exatamente o que ela falaria se estivesse aqui. Ouvi a voz dela quando fui no supermercado pela primeira vez sem saber quase nada, qual marca comprar ou até o que comprar. Sinto a mão dela segurando a minha na hora de dormir, quando agarro o anel dela no meu colar. Escuto minha mãe rindo de mim aprendendo as manhas na cozinha, derrubando panelas e deixando as coisas queimarem, ela deve estar se divertindo com a gente nessa vida nova! Desperate Housewives da vida real.

Admito que alguns dias tem sido mais difíceis. Tem dias que eu me sinto vazia, sem vontade alguma de me levantar. O fato de meu aniversário estar chegando também não ajuda em muita coisa. A grande realidade, e vou repetir isso diversas vezes até grudar na MINHA cabeça, é que preciso pensar que minha mãe está bem. É tudo o que nós queríamos. Não posso deixar meu egoísmo me dominar, me apegar tanto ao físico. Não vejo minha mãe mas ainda escuto sua voz, sinto seu toque e a vejo em mim e na minha irmã. Quero ter novamente a alegria nos meus olhos que minha mãe pediu. Preciso começar a praticar isso, que é quase tão difícil quanto dar os primeiros passos, mas sei que eventualmente vou conseguir.
 Minha irmã me ajuda bastante. Não sei porque mas não consigo chorar perto alguém que não seja ela, apesar de sentir vontade o dia inteiro. Ela conversa comigo, fica comigo nos dias em que estou pior e faz de tudo para me agradar. Segura minha mão com a mesma força que segurou no dia do velório antes de eu entrar naquela sala. Me dá toda a segurança do mundo, a segurança que minha mãe me dava. Sei que ela está sofrendo, e me deixa muito triste que eu não consiga ajudá-la, mas estamos nos levantando pouco a pouco.

Já falei pra Sté, não vou desaprender a ser filha, não consigo suportar a idéia de ser completamente livre, me sinto meio desamparada,então satisfação pra alguém eu preciso dar! E essa pessoa vai ser ela! Vai fazer jus ao papel de irmã mais velha mais do que já está fazendo.

Estamos nos virando, afinal já dizia a minha mãe: É o que temos pro momento.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

From Super-Hero to Super Angel

Achei que nunca mais escreveria nesse blog. Esse último mês da minha vida foi tão obscuro, tão cego e sem sentidos e ao mesmo tempo tão cheio de emoções. Não sei como começo a falar sobre isso, porque ainda em voz alta me dói ouvir tais palavras. Nesse último sábado, dia 19 de maio, o céu ganhou mais uma estrela.
Minha amada mãe faleceu.
Estou dormente, anestesiada. Relembrando esse último 1 ano e meio, conversei abertamente á respeito de morte com a minha mãe, perguntava se ela tinha medo de morrer, se ela achava que fosse morrer. As respostas sempre eram as mesmas, com os olhos marejados de lágrimas: "Daria tudo para ver vocês crescerem, mas é o que temos pro momento". Tive a chance de ouvir da boca da minha mãe como seria quando ela morresse, que ela com certeza sempre que pudesse ia aparecer em sonhos pra gente, e que não era pra ninguém ficar jogada no chão se descabelando porque não foi isso que ela ensinou.
Esse último mês foi horrível e lindo ao mesmo tempo. Tive a oportunidade de ver como minha mãe é um ser iluminado, como ela conseguia fazer o ambiente mais pesado do mundo leve como uma pena. Ela fazia o dia de todos os funcionários do hospital melhor, sabia o nome de todos e sempre oferecia uma coisinha para eles comerem (e por 'coisinha', le-se 'quiosque de doces') quando iam ver 'se ela ainda estava viva', como ela mesma dizia.
A coisa mais dura da minha vida foi ter que ver minha mãe chegar no estado em que ela chegou. O sentimento mais devastador do mundo foi ficar sentada assistindo, sem poder fazer absolutamente nada. Minha mãe aos poucos foi se apagando diante dos meus olhos.
Devido á grande quantidade de remédios que ela estava tomando nessa última semana, grande parte do tempo ela passava meio grogue, e ainda sim conseguia fazer todos ao seu redor rirem.
Em um dia em especial, uma amiga dela pediu que entregassem comida japonesa no hospital, foi o melhor almoço que já tive na minha vida. Eu, minha irmã e minha mãe, comendo japonês e nos divertindo com a minha mãe groguinha colocando os palitinhos na cabeça fingindo ser uma gueixa.
Nessa última semana da minha mãe, nunca me senti tão morta por dentro. Mal dormia, não tinha vontade de comer, apenas tomava Coca-Cola porque era líquido e era o que conseguia passar pela minha garganta. Eu já tinha entendido o que estava prestes a acontecer, mas não havia aceitado.
Na quinta-feira á noite, o médico veio até o quarto e nos disse que nas próximas 24h minha mãe iria embora.
Não consegui reagir de outra maneira além de segurar a mão dela enquanto ela dormia no sono mais profundo, e começar a chorar. Parecia que tinham tirado uma coisa dentro de mim do jeito mais bruto possível. Meus primos chegaram logo depois, e minha mãe acordou. Por incrível que pareça, tivemos a genial idéia de começar a tirar fotos. Não me pergunte o porque, já que todo mundo estava com a cara mais inchada e de choro do mundo. Minha mãe sorriu em todas as fotos, mesmo mal tendo força para deixar seus olhos abertos. Nos divertimos, rimos, amamos.
Naquela noite me despedi, não conseguia mais ficar lá, não iria conseguir voltar. Me despedi da minha mãe, disse que á amava. Ela, com os braços trêmulos, pediu um abraço. Me curvei e apertei ela como se estivessem cortando um membro meu fora.
Ela apenas me disse que queria ver 'alegria nos meus olhos de novo'. Fiz questão de deixar claro que ela foi a melhor mãe do mundo, a melhor que alguém pode ter. O imenso orgulho que eu sentia dela. Á abracei, virei as costas e fui embora.
Em uma conversa que tive com a minha tia de consideração, ela me perguntou se eu não achava que minha mãe estava com medo de ir por preocupação comigo. Nunca tinha pensado daquele jeito. Aquilo ficou martelando na minha cabeça.
No dia seguinte, estava decidida á não ir mais no hospital, não queria ver minha mãe morrer, não ia suportar essa imagem na minha cabeça.
Como sempre fazia, liguei para a minha irmã (que foi um anjo pra mim esses dias, dormiu no hospital e não queria que eu ficasse lá pra não ver minha mãe daquele jeito) e perguntei como estava minha mãe. Ela pediu pra falar comigo e pegou o celular da mão da minha irmã. Com uma voz bem grogue, ela perguntou se eu iria ao hospital naquele dia. Impossível eu falar que não. Ainda mais depois ela ter dito que ia me esperar acordada. Fui para o hospital na sexta-feira e tive que me despedir mais uma vez da minha mãe. Não consegui me conter e chorei, mas chorei muito. Ela me abraçou e disse que não queria que nos despedíssemos daquele jeito, comigo chorando. Com aquilo que minha tia grudado na minha cabeça, disse que não tinha problema dela ir embora, que eu iria ficar bem por causa das coisas que ela havia me ensinado, por causa DELA. Ela me deu um abraço forte, disse que me amava muito e que fui a melhor filha que alguém pode ter. Ajudamos ela a tirar o anel que ela sempre usava no dedão, que ela comprou quando eu tinha 7 anos no aeroporto. O anel possui 3 estrelas, que ela sempre dizia que eram eu, minha irmã e ela. Ela nos deu o anel e pediu que deixássemos em um lugar que não fosse cair. Está em um colar no meu pescoço.
Em um desses posts, disse que toda vez que eu saía do hospital, parecia que deixava um membro lá. Esse dia eu deixei meu coração inteiro.
No sábado á tarde, havia saído para comprar coisas para almoçar no Pão de Açúcar, e quando voltei pra casa, entrei no quarto da minha mãe, deitei na cama e comecei a chorar. Meus lindos amigos vieram me acudir, ficar comigo, mesmo que em silêncio.
Chorava porque ia perder minha heroína, minha melhor amiga, minha essência. Chorava porque achava injusto depois de tudo o que passamos juntas, iria perder minha mãe. Chorava por medo de como seria, por angústia, por desespero.
Depois de 15 minutos, meus amigos me puxaram para a mesa do almoço e depois da segunda garfada, minha prima me ligou. Quando atendi o telefone, ela disse 'Jé? Oi.... ela foi embora'.
Não consegui reagir, perdi a força no corpo e deixei o telefone cair da minha mão. Abracei minha cabeça e chorei desesperadamente. Nunca senti tanta coisa junta na minha vida.
Fiquei com falta de ar, raiva, dei socos na janela e no armário, perdi o controle.
Depois disso fiquei em estado quase que catatônico. Domingo tivemos o enterro.
Nunca achei que o dia em que enterraria minha mãe estaria tão perto.
Cheguei atrasada e quando o padre começou a rezar, mal consegui me manter em pé, meu tio me segurava. Só consegui olhar as fotos que estavam postas no caixão, fotos da minha mãe linda, comigo, com a Sté, com a família. A foto que estava no topo do caixão? A minha e dela.
Comecei a sentir minhas pernas bambas e me recusava a desmaiar, então fui até o banco lá fora e pedi que me deixassem sozinha.
Vou ser sincera. Não lembro de nada. Mal lembro de quem foi, o que falaram pra mim. Não lembro.
Sei que abaixei a cabeça e quando levantei, estava cercada de amigos. Amigos que eu nem nunca achei que iriam. Gente que eu estava brigada e que mesmo assim foi, pessoas que não via há anos.
Naquele momento, eu senti uma leveza que não sentia há muito tempo. O dia estava uma delícia, o ar gelado e um sol tímido entre as nuvens.
Depois do velório, não quis acompanhar o enterro, fiquei no banco, sentada, conversando com meus amigos.
Falando neles, não tenho palavras pra começar a agradecer. Não tenho. Eu aprendi o que é amizade em 5 dias. Amigos que dormiram comigo do dia que eu fiquei sabendo da previsão até o dia em que minha mãe foi embora, gente que não parava de me ligar, que correram pra minha casa assim que souberam. Anjos que cozinhavam pra mim, me obrigavam a comer e conseguiam me fazer rir. Conseguiram me fazer ficar em pé quando eu achava que nem sair da cama eu conseguiria. Juro por Deus, eu vou passar minha vida tentando retribuir todo o amor e carinho que estou recebendo, é o que tem me mantido. Não tenho mais amigos, tenho irmãos, irmãos escolhidos.
Minha irmã me segurou. Quis me poupar de todo e qualquer sofrimento, me colocou na frente dela, se preocupou comigo o tempo inteiro, do começo ao fim, se tornou a mulher que minha mãe nos ensinou a ser, se não tivesse ela não sei o que teria acontecido.
Minha terapeuta costuma falar que 'para chegar na parte boa, é preciso passar pela parte ruim'. A grande realidade é que já passei pela parte ruim, já estava afundada na parte ruim. Essa seria a parte 'boa'. Me recuso a ficar jogada na cama chorando, não vivendo. Minha mãe ficaria P DA VIDA se eu ficasse assim. Quero pensar que ela está bem agora. Está na praia que ela tanto amava, nadando no mar... Com o meu avô, minha avó e minha cachorra. O amor não é pra prender as pessoas, e sim para libertar.
Seria MUITO egoísta da minha parte querer minha mãe aqui sofrendo do jeito que ela estava, chorando quase todas as noites porque não aguentava mais.
Eu amo minha mãe mais do que tudo. É o amor mais puro e forte do universo. Já ouvi falar que almas gêmeas não são necessariamente um casal. Podem ser amigos, ou irmãos, uma avó e uma neta. No meu caso, era minha mãe.
Quero que ela fique bem acima de tudo, dane-se o sofrimento, só quero isso, ela merece mais do que ninguém. Por tudo que ela já fez por mim, o mínimo que eu posso fazer é deixar ela ir e ficar bem.
Sei que ela vai estar me olhando. Sei que ela viu eu pegar minha carta de motorista ontem, sei que ela vai ver eu fazer 20 anos daqui 1 mês. A única diferença é que agora ela vai ver de camarote.
Estrela no céu ela já tem, quer camarote melhor do que esse?
No dia 19 de maio, minha super heroína virou um super anjo. O nosso anjo.
Posso encher o peito e falar com todo o orgulho do mundo que minha mãe foi quem foi.
Ela venceu a doença, pode não ter se curado, mas não deixou sua luz apagar, isso é a maior vitória que alguém pode ter.
Sou a filha mais orgulhosa do universo, falarei da minha mãe com um sorriso no rosto sempre, e contarei como ela venceu o câncer, venceu na vida, venceu no trabalho de mãe.
Amo minha estrela e como prometido, no buraco do pedaço do meu coração que você levou junto, sempre vai ter um jardim de rosas, um jardim cheio de lembranças lindas, sorrisos, o seu sorriso.
Te amo mãe.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Sexta-feira Nada Santa

Como praticamente todas as famílias brasileiras, a minha também estava planejando um almoço de Páscoa. Vou ser sincera, odeio não poder comer carne e também acho que não estou devendo muito ao cara lá em cima, pelo contrário, mas não vou falar muito disso por respeito. Só queria que o dia passasse logo, mas não do jeito que passou. Na sexta-fera santa minha mãe foi hospitalizada. Uns dois dias antes da internação, ela começou a inchar muito, como ficamos preocupadas, fomos ao médico e descobrimos que não só ela teria que ficar internada, como também tinha trombose na veia cava. Como eu já sou praticamente uma médica formada em oncologia, baseada nesse meu 1 ano e meio de câncer, não esperava encontrar mais um potencial problema por causa do tumor, haha.
O que acontece é que a tal da veia cava leva o sangue para o fígado até chegar no coração. Essa putinha de veia (perdão) resolveu ficar com trombose. O pior não foi nem ela ficar internada, porque ela já ficou outras 3 vezes, mas sim o fato de que passaríamos a Páscoa que minha mãe tanto queria comemorar, no hospital. Ela estava tão empolgada que fui praticamente obrigada á tirar o sal do bacalhau e fiquei eternamente traumatizada por isso, o que eu não faço por amor? Haha.
No dia da Páscoa me toquei que não só era Dia Mundial do Combate ao Câncer, como também aniversário do meu amado avô, pai da minha mãe, que se foi em 2003. É tipo um combo, daqueles do videogame Mortal Kombat, o Fatality.
Odeio deixar minha mãe no hospital. Parece que apesar de ser o lugar que ela vai estar melhor cuidada, é o lugar que eu me sinto mais insegura de deixá-la. Com a ajuda da terapia, consegui entender que esse meu desconforto é causado pelo simples fato de eu achar que os médicos a tratam como 'mais uma' no hospital... Sendo que ela NÃO É, ELA É MINHA MÃE! Não peço que a tratem com preferência, pelo contrário, entendo que muitas pessoas estão passando pela mesma coisa ou ás vezes até pior do que a gente, mas tenho esse problema com hospitais.
Já fazem duas semana que ela está lá, sempre com um sorriso no rosto, impressionante. O orgulho que eu sinto da minha mãe ofusca qualquer medo que eu tenha. Ela têm recebido milhares de visitas, e vejo que todo esse amor é fruto do que ela plantou a vida toda dela, é a melhor mãe que uma filha pode pedir.
Outro dia ela veio me falar que teve um sonho com Nossa Senhora, com uma luz bem forte. Nem terminei de ouvir o sonho e já soltei um "Vira DE COSTAS pra luz, mãe! Ta?? Que bonita, aprecia, mas vai pra direção contrária!!"
O difícil é sair do hospital pra ir pra aula, ou para cumprir alguma outra obrigação que eu tenha. Parece que toda vez que eu saio do hospital, deixo uma parte do meu corpo lá. Sair do quarto dela, de perto dela é como puxar um íma grudado em um metal.
Um dia em especial, fui fazer uma das minhas aulas práticas (porque afinal, eventualmente eu quero tirar minha carta pra minha mãe me ver dirigir) e quase bati o carro várias vezes, não estava com cabeça, estava estressada, me sentindo sobrecarregada, minha irmã havia operado o dente e também estava preocupada. Ainda como se não bastasse, uma das pessoas nas quais eu quase bati o carro, desceu para tirar satisfação comigo. Nessas horas a vontade é de falar a verdade para a pessoa se sentir BEM culpada e calar a boca, mas não quero usar isso de desculpa.
 Na noite anterior á esse dia, minha mãe, bem á noitinha, desabafou. A sté estava em casa porque tinha ido lá de manhã e ficou a tarde também, nós revezamos. Minha mãe disse que não se sente ela mesma, que está gorda e feia e que nem aguenta se olhar no espelho. Fui ajudar ela a tomar se preparar para tomar banho e vi o inchaço na barriga dela e nas pernas. As veias que ligam a tal da veia ao fígado estavam mais aparentes. Me segurei muito para não chorar, não quero minha mãe assim, não quero ela passando por toda essa dor, eu não aguento, aguento qualquer coisa menos isso.
Depois dela tomar banho, ajudei ela a passar um creme maravilhoso do Mar Morto que eu comprei especialmente para caso as quimios deixassem a pele dela sensível. Passei o creme nela quase nem tocando, e mesmo assim não pude deixar de ver a cara de dor dela. A pele estava repuxando por causa dos líquidos retidos que estavam causando o inchaço, além da trombose.
O engraçado é que no meio de tanta merda, a gente consegue achar graça. Como sempre, estava penteando o cabelo dela, que por sinal já está bem crescidinho! Enquanto penteava, achei um nó!! Eu, minha irmã e minha mãe, três bobas comemorando! Passamos o dia jogando joguinhos no Ipad, vendo tv. Até já fingi que minha mãe queria jantar mais e quando a mulher trouxe o prato, eu que comi porque estava faminta! É o que temos pro momento, então vamos tirar algo de bom!
A verdade é que a essa altura do campeonato, não me importo da minha mãe passar o mês todo no hospital, quero que ela saia BEM, nada mais me importa.
Hoje de manhãzinha liguei para saber como ela estava e ela me disse que havia desinchado bastante, graças aos remédios! Fiquei tão feliz, tão aliviada.
Outra coisa boa que aconteceu hoje é que foi minha última aula prática, rumo á carta! Dirigir é uma coisa que está me fazendo muito bem, ainda mais em lugares tipo avenidas. Meu instrutor só ficava falando 'acelera! não pode ir devagar em avenida!', eu coitada, achando que já estava praticamente no rally dos sertões, acelerei mais. Me senti no Velozes e Furiosos, a 80 por hora, haha, mas vamos combinar, pra quem nunca dirigiu isso ja é progresso!
Para vocês verem, no fim das contas, existem problemas bem maiores do que não poder comer carne na sexta-feira santa.

terça-feira, 27 de março de 2012

A Palavra com "C"

Agora tudo é isso: câncer. Não consigo mais sair com alguém sem me perguntarem, não fico mais em casa sem ouvir a respeito, mal vejo tv sem ver alguém com câncer aparecendo.
Isso me deixa ligeiramente maluca. Previsões para o futuro, providências a serem tomadas para "o que virá". Já basta ter que lidar com a doença no presente, ainda preciso pensar no futuro? Nem consigo pensar em amanhã direito!
Quando eu comecei meu curso de jornalismo, no qual eu ainda era novata, senti um alívio imediato em entrar na sala de aula sem ninguém me conhecer. Ninguém sabia da minha mãe, ninguém me tratava com dó e muito menos com carinho excessivo. Não que isso me incomode (me tratarem com dó me irrita muito), mas têm pessoas que realmente me tratam como se eu fosse retardada e não conseguisse fazer nada. Outra coisa deliciosa é que eu não precisava ouvir a MALDITA palavra que mal consigo pronunciar até quando me perguntam meu signo (que por ironia é câncer).
Eu sinto como se tudo estivesse indo muito rápido e eu não consigo acompanhar. Parece que eu sou a pessoa mais perturbada e assustada com tudo isso, porque todos estão levando a vida com naturalidade. Parece que só eu me pergunto "QUE PORRA É ESSA QUE TÁ ACONTECENDO?". (desculpem pelo palavrão, mas o sentimento é bem esse). Eu entendo que minha família quer garantir meu futuro e o da minha irmã, mas prefiro que façam isso longe de mim. Não quero pensar no futuro e preciso que respeitem isso.
Hoje mesmo, pedi que minha mãe fosse menos explícita quando falasse o que pensa sobre o futuro. Eu já sei como provavelmente vai ser, mas não consigo nem dizer em voz alta, muito menos ouvir constantemente planos para um futuro no qual minha mãe não está.
Muita gente me fala que isso só vai me fazer mais forte, etc, mas não há um dia que passa que eu não me pergunte se vale mesmo a pena. Tá, eu vou ficar forte, mas eai? Então só porque eu fiquei forte tudo isso vai desaparecer da minha cabeça como se eu tivesse encontrado um agente do MIB homens de preto? NÃO!
Que bacana que eu vou ficar forte, mas eu juro que ás vezes eu queria só por 1 segundinho ser uma daquelas babacas fúteis que não tem preocupação ou perspectiva alguma sobre a vida, só 1 segundo... ou 1 minuto... ou 1 hora.
Me surpreende como existem pessoas que conseguem levar tudo isso com leveza. Não é leve.
Existe uma série que sempre passa na HBO, chama The Big C. A história fala sobre uma mulher com câncer praticamente terminal e mostra o dia-a-dia dela, mas com um tom engraçado. O pior de tudo é que realmente é uma série engraçada, apesar do tema mórbido, e eu passei a entender mais ainda agora. Provavelmente é o programa que tem alguma coisa relacionada com câncer, mais real que eu já vi. Mostra a dor, muita dor, mas também mostra coisas engraçadas, mostra que a vida continua. Mostra que tudo é sim muito rápido, e que não tem problema ficar um pouco de fora esperando o vagão passar.
Cá estou eu, sentada no chão, olhando o trem passar.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Você em Nós

Outro dia sentei para conversar com a minha mãe e perguntar como ela estava lidando com todo esse turbilhão de novidades e previsões. Ela usou uma frase que teve muito impacto pra mim. "Eu daria tudo para ver vocês crescerem, tudo. Queria estar com vocês para abraçar, beijar. Não sei se fui a melhor mãe..".
Atrás de várias lágrimas, vi uma mãe com medo. Vi o principal medo da minha mãe diante de toda essa doença: deixar eu e minha irmã.
Devo admitir que não foi nem um pouco fácil ouvir o que eu ouvi, e que precisei me controlar muito para não chorar, a ponto de prender tanto o choro que minha garganta começou a fechar.
Fiquei com esse post na minha cabeça ontem durante 4 horas. Rolei e rolei na cama, sentindo uma necessidade de escrever coisas aqui especialmente para minha mãe.
Queria falar que ela foi E É a melhor mãe que uma pessoa pode ter. Que a voz da minha consciência é a dela, que o rosto que eu vejo quando estou com medo, é o dela.
Queria falar que me lembro de todos, TODOS os eventos que minha mãe foi torcer por mim e me apoiar. Me lembro de apresentar "Aquarela do Brasil" no jardim 3 e de ver o rosto dela na multidão, sorrindo para mim.
Me lembro do Dia das Mães na minha escolinha, que eu fiquei tão empolgada para mostrar para todo mundo minha mãe, tão feliz dela ir lá e me ajudar á fazer o molde da minha mão de argila, que seria um presente para ela.
Ela foi á todos os meus jogos de handebol, futebol, basquete.
Ela que sempre me demonstrou a felicidade mais pura em me ver feliz, ver meu sucesso, sem pedir nada em troca.
Me ensinou á ser neurótica com assaltos, e apesar disso me irritar, sempre ouvia a voz dela "na dúvida não ultrapasse!".
Foi uma peça fundamental na minha infância invejável, deixou eu ser quem eu quisesse e sempre me defendeu.
Me deu um abraço quando eu precisava, uma palavra de carinho ou apenas um olhar. Pegou na minha mão quando precisava de amor mas também me deu bronca quando preciso.
A grande maioria das lembranças que eu tenho, de toda a minha vida, ela esta lá.
Nas fotos, ela é as pernas no cantinho, as mãos me ajudando a andar.
Ela é minha essência, minha alma.
Minha mãe em algumas situações, me disse que eu sou "de ouro". Em outras, ela diz "você e sua irmã são a melhor parte de mim". Exatamente. Só somos "de ouro" porque somos a melhor parte de VOCÊ.
Claro, alguns dos defeitos dela também viraram nossos, mas quando se minera ouro em uma peneira com todas aquelas outras pedras, algumas pequenininhas vão cair, mas sempre vão sobrar as pedras maiores lá junto com o ouro, que não passaram na peneira.
Então peço, mãe, toda vez que você ficar com medo de não estar aqui com a gente, só pare e nos olhe. Você, querendo ou não, sempre vai continuar aqui enquanto nós estivermos. Sempre vai ser a voz nas nossas cabeças, a mão nos segurando firme. Sempre. As pessoas nos olham e vêem você! Você lapidou a gente.
Toda vez que você se perguntar se 'foi uma boa mãe', novamente olhe para nós, olhe o que você fez, os valores ensinados, nossa educação. Olhe a quantidade de coisas que eu e a Sté lembramos, quantas memórias envolvem você, memórias desde tínhamos 4 anos, desde que conseguíamos pensar! Isso não é mera coincidência.
NUNCA teremos essa doença como referência do que você é, da sua imagem. Temos tantas lembranças e momentos lindos com você, que essa doença vira uma gota em um oceano.
O que diferencia você dos outros é que um dia, (assim como todos nós morreremos), de super-heroína, você vai virar um super-anjo.

eu te amo com toda a força e sinceridade que alguém pode ter.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Meio-cheio ou meio-vazio?

Percebi que fazia um bom tempo que não postava nada aqui, não tive inspiração até hoje. Comecei o dia bem, fui fazer a prova teórica para tirar minha carteira de motorista e fiz o exame mais ridículo da minha vida. Fui bem e quando saí de lá estava empolgada para contar para a minha mãe sobre o resultado.
Como aparentemente é difícil eu conseguir aproveitar algo na minha vida por mais de 5 minutos, cheguei em casa e recebi uma notícia que quebrou mais um pedaço de mim e destruiu toda e qualquer empolgação.
O status atual do câncer da minha mãe é: câncer no fígado com metástase no pulmão e em 2 vértebras da coluna vertebral.
Como se isso não fosse o suficiente, hoje tive a notícia de que existe uma probabilidade da minha mãe perder o movimento das pernas. O tumor na coluna está pressionando a vértebra L4.
Sinceramente, eu não sei o que sentir. Acho que chega uma hora onde o cansaço fisico e acima de tudo mental e emocional, começa á nos enlouquecer. Há um ano atrás eu tinha o essencial, e agora sinto que estou perdendo tudo.
Minha mãe toma doses cavalares de morfina para a dor que ela sente na perna (reflexo da pressão na vértebra) e nem isso adianta, já assisti ela chorando de dor várias vezes, apesar de sempre se controlar.
Sinto como se a doença fosse uma tortura. Como se fossêmos obrigadas a sentar e assistir minha mãe se esfarelar. Cada ida ao médico, cada tomografia, cada exame é uma ansiedade nova, uma noite mal dormida. Já vi muita coisa de um ano para cá, coisas que achei que não conseguiria mas consegui, mas ainda ter que assistir isso? Com qual estabilidade emocional é para eu sair dessa doença, conseguir viver minha vida?
Durante esse período ruim, juro que me esforcei para encontrar levezas na nossa situação. Acho engraçado o jeito que minha mãe faz piada com a doença de vez em quando, me pego em situações onde, por ter uma mãe com câncer não sei o que fazer.
Outro dia mesmo, fui até a farmácia e minha mãe me ligou dizendo que precisava de shampoo. Quando parei em frente á prateleira, comecei a rir.
Como e qual shampoo eu compro para uma pessoa sem cabelo? "Para cabelos ressecados", "para pontas duplas", "hidratação intensa". Diante dessa dúvida, resolvi simplesmente pegar o mais cheiroso, mas achei muito engraçada a situação.
Minha mãe é uma pessoa que consegue muitas vezes trazer leveza para tudo isso. Ela transforma uma tonelada em uma grama em questão de segundos. Tiro forças não sei de onde ao ver o jeito que ela lida com tudo, não consigo expressar.
Tirei a idéia de começar a escrever esse blog porque ela também tem um. É incrível o humor que ela usa para falar de um assunto tão delicado. Inclusive é tão incrível que até o Reynaldo Gianecchini  já leu o blog dela e disse que adora, acha admirável o fato dela se abrir, ser bem-humorada diante da doença. Como uma pessoa que é tão admirada tem que passar por tudo isso? Por tanta dor? É algo além da minha compreensão e que me gera uma certa ira. Ira porque coisas tão horríveis acontecem com uma pessoa tão iluminada, ira porque o mundo e a vida são injustos, ira porque existem traficantes na favela que moram em mansões no bem-bom enquanto há pessoas com cãncer que dormem em baixo de pontes para poder pagar o próprio tratamento.
Não sei como a Bíblia fala em fé, em otimismo quando há TANTOS motivos para jogar tudo para o alto, quando simplesmente a vida é uma maratona de dor, uma após a outra. Realmente precisa ser forte para ser otimista diante de um buraco negro, mas há pessoas que conseguem, como a minha mãe. Ao invés de pensar em tudo de ruim que lhe acontece, ela foca em tudo de ruim que PODERIA ACONTECER com ela e que não acontece. Ela fica brava porque eu e minha irmã ficamos nos perguntando 'somos gratas ao que?', mas para um jovem é muito duro e pouca vivência para ter tanta fé assim, para conseguir entender sem se revoltar. Admito, fico muito feliz que ela consiga ser assim, muito mesmo.
Claro, sou grata porque sei que a situação podia sim ser pior, mas até gratidão tem limite. Acho que nessas horas, a frustração e raiva de não poder fazer nada meio que nos cega.
Espero que eventualmente eu consiga ver o copo meio cheio ao invés de meio vazio.

sexta-feira, 9 de março de 2012

A Realidade Se Tornando Visível

É difícil sentar e assistir a pessoa que você mais ama o mundo chorando enquanto fala que não se sente mais ela mesma. Ver ela deixando de fazer a unha pela primeira vez na vida (a mão da minha mãe sempre foi uma coisa muito marcante pra mim, sempre com as unhas vemelhas) porque a unha está fraca e ela tem medo de pegar uma infecção por qualquer corte bobinho. É triste ver essa pessoa falando em um momento de sensibilidade que não quer ficar igual a avó, que também teve câncer, como se fosse um desabafo de uma criança que assistiu a dor da avó com medo.
Na noite que eu fiquei sabendo que minha mãe tinha câncer eu vim pra casa e sentei na frente do computador. Entrei no Google e comecei a procurar sobre o câncer dela, acho que desesperadamente tentando encontrar uma resposta, uma justificativa (porque afinal eu achava que tudo tinha controle) para aquilo, mas não encontrei. O colangiocarcinoma ainda não teve uma definição, é muito raro, essa é a única explicação que eu ouvi e li várias e várias vezes.  
A parte mais difícil é sentar, assistir e não poder fazer NADA. Claro, eu faço o possível e o impossível para tornar certas situações menos dolorosas possíveis, mas tem vezes que não dá. Tem vezes que eu só posso sentar e ouvir minha mãe desabafando, chorando. Não dá pra fugir. Cada tosse é um lembrete, cada 'ai' de dor.
Lembro como se fosse ontem da primeira vez que a doença se tornou real para mim. Ela já tinha começado a quimioterapia mas não havia apresentado nenhum dos sintomas. Em uma manhã de sábado, entrei no quarto dela para dar bom dia (como sempre faço) e me deparei com a minha mãe ajoelhada no chão, vomitando na privada do banheiro e chorando. Ela sempre odiou vomitar, sente aflição, e acho que o fato daquilo poder virar constante era assustador pra ela.

Escrevendo isso aqui faz eu ficar com lágrimas nos olhos, porque acho que nunca senti uma impotência maior na minha vida, uma dor que beirou á dor física. A doença tinha se tornado palpável, visível aos olhos. Por alguns segundos fiquei paralisada, sem saber o que fazer, como reagir. Quando a situação assentou no meu cérebro, fui ajudá-la. Tentei deixar o mais claro possível que era o remédio fazendo aquilo, não a doença, foi o único consolo que consegui.
Depois de alguns meses, minha avó veio morar com a gente por problemas de saúde. Ela nunca lidou muito bem com a doença da minha mãe, sempre se segurou muito á respeito disso, tentando manter a compostura. Eu vi a minha avó chorar duas vezes durante essa doença, uma de felicidade e uma de tristeza. A vez em que ela chorou de felicidade foi quando o médico veio nos contar que não havia sinal de câncer nos outros órgãos. A de tristeza foi porque ela, sem querer, entrou no quarto da minha mãe e viu a mesma cena que eu havia visto que tanto me assustou.
Eu estava junto com a minha mãe e ouvi a porta abrir, vi minha avó com uma expressão que nunca vou esquecer, assustada. Depois de quase sussurrar um ‘desculpa’, ela saiu do quarto. Quando terminei de ajudar minha mãe, fui até a sala e encontrei minha avó de braços cruzados olhando a vista, do mesmo jeito que eu fiquei quando fiquei sabendo de tudo.

Eu sabia a dor que ela estava sentindo. Eu já senti aquilo, mas acho que para uma mãe deve ser a dor multiplicada por 1000. Acho que foi a  primeira vez na minha vida que vi minha avó perder a compostura, desarmada, com medo. Conversei com ela e disse que ela podia conversar comigo á qualquer hora, que tínhamos que dar força para a minha mãe, apesar da situação ser assustadora. Deixei claro novamente que o que fazia minha mãe passar mal era o remédio e não a doença.  Ela ficou com vergonha porque havia desabado perto de mim, percebi isso. Ela sempre era muito controlada. (e linda)

Tal avó, tal mãe, tal filha. Nas qualidades e nos defeitos. (apesar dos defeitos não serem muito saudáveis)

PS: Peço desculpas á todos porque ainda não consegui falar da morte da minha avó durante esse ano, ainda é um assunto muito sensível para mim. Prometo que vou chegar lá! Um cadeado de cada vez!

quarta-feira, 7 de março de 2012

Perdendo o Controle

Já deixei bem claro aqui que o câncer é uma montanha russa. Um dia está tudo bem, minha mãe está se sentindo ótima e é tudo um alívio, no outro ela mal consegue sair da cama, ver ela passar mal ou com dor é a pior agonia do mundo, é um sentimento de impotência. A doença corta qualquer barato a qualquer hora, ela não escolhe o lugar, o momento. Não interessa se sua noite foi sensacional, se você riu e se divertiu ao extremo, no fim você chega em casa e leva um soco na boca do estômago, e você só tem que aceitar que levou o soco e que estava despreparada.
Um traço muito forte da minha personalidade é que eu não gosto de perder o controle. Não gosto, simples. Inconscientemente eu acho que consigo controlar o que as pessoas pensam, o que elas vão fazer, o que é o 'certo' e o que é o 'errado'. Me deixo levar por esse constante medo de fazer algo errado, de dar desgosto para a minha mãe (porque sei que ela não merece). É muita besteira pensar isso, e ela também acha ridículo porque em momento algum ela me pediu isso, ela me pediu que eu fosse feliz.
Analisando agora acho que foi isso que me levou á esse desespero constante. Eu sempre achei que tinha controle sobre tudo mas então eu me deparo com esse lado que eu não consigo controlar: a doença, a morte. Não lido bem com morte, eu não sei o que é, não consigo compreender esse conceito de que um dia a pessoa está aqui e no outro não está. Ainda sofro muito com todas as mortes de pessoas próximas á mim, meu avô há 9 anos, minha cachorra á quase 1 ano e mais recentemente, a da minha avó.
Chocantemente eu tenho muito medo de tudo que está fora do meu controle. Tenho medo de mar, onde não conseguimos controlar o que ele vai fazer, se uma onda gigante vai se fomar e te levar pra longe. O escuro, onde não conseguimos ver o que está á nossa volta, não temos como, não sabemos se vamos esbarrar na cama, não podemos prever. Tenho muito medo também de assaltos, que nos pegam de surpresa sempre e é uma situação que nao está nas suas mãos, está nas mãos do assaltante. Meu último medo são raios. Odeio o barulho, o susto, não saber que horas ele vai cair, quando ele vai cair.
Eu odeio não estar preparada. Agora eu lhe pergunto: aonde eu me seguro, nesse momento tão crucial da minha vida que o chão parece estar despedaçando? Sei que tenho meus amigos, minha família. Mas a primeira mão que eu segurei nesse mundo, na cama de um hospital, foi a da minha mãe. A mão que me dá a certeza de que eu não vou cair é e sempre foi a dela.
Agora um medo maior surgiu, não o medo da doença, mas o medo de perder minha melhor amiga. Ás vezes é difícil admitir pra mim mesma que eventualmente isso vai acontecer, mas nao é assim com todos nós? Uma hora todo mundo morre. Não sei se eu vou atravessar a rua amanhã e ser atropelada. Isso é o 'perder o controle' e acho que é por isso que eu não lido bem com morte ou com a doença da minha mãe. Eu não sei perder o controle.
Outro dia fiquei sabendo de uma história curiosa. Provavelmente todos já ouviram falar em Jó (escravos de Jó, paciência de Jó). Pois é, o Jó era alguém! Na verdade ele era um dos discípulos. O Jó era o cara que sempre fazia tudo certo. Ele não se divertia, era correto, íntegro. Ele era o cara que limpava a casa depois das festas, o cara que não fazia nada por vontade própria, ele fazia porque era o 'certo'. Um belo dia uma coisa muito ruim aconteceu na vida do Jó e ele foi tirar satisfação com Deus. "Eu faço tudo certo, me desvio do mal e o Senhor me manda isso?". Era isso que Jó esperava, um tipo de recompensa. "Mas eu não quero que você faça o correto, quero que você faça o que lhe faz feliz", disse Deus.
A grande moral da história é que eu sou o Jó em pessoa. O que mais me assustou é que eu fui pesquisar sobre o Jó e fiquei sabendo que ele morreu com ÚLCERAS MALIGNAS. Já disse em um post anterior: tive 3 úlceras ano passado. Claro, naquela época não existia Omeprazol, mas enfim.
A conclusão é que algumas vezes na vida vamos perder o controle. Conforme vamos crescendo somos obrigados a lidar com coisas que muitas vezes não vamos entender, não vamos conseguir controlar, não conseguimos fugir. Achar que eu consigo controlar tudo só vai me deixar mais frustrada quando eu me deparar com coisas incontroláveis.
Estou aprendendo agora o que é finalmente perder o controle. Estou aprendendo que eu preciso viver a MINHA vida, não posso enlouquecer por causa dessa doença, preciso começar a aprender a cuidar de mim mesma, a ser feliz POR MIM, fazendo o que EU quero. Preciso parar de viver em função do câncer. De vez em quando preciso sair, preciso dançar, enfim, preciso perder o controle.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Laços de Força

Na semana passada tivemos uma grande perda, um ícone da moda e do comércio brasileiro se foi: Eliana Tranchesi. Quando soube da notícia não achei que iria ficar do jeito que fiquei.
Senti como se uma amiga tivesse morrido. Acompanhei a luta de Eliana contra o câncer assim como todos vocês pela mídia e sempre tive admiração por ela, mesmo antes de descobrirmos o câncer da minha mãe.
Estudei com a filha menor dela no pré, Marcella e sei o quanto ela sofreu com a descoberta, não imagino a dor dela nesse momento.
Fiquei sabendo da partida desse mito pelo site da Globo, já que sou leitora assídua. Fiquei chocada e enojada em ver como o povo brasileiro lidou com tudo isso. Lendo alguns comentários percebi o quão sujo o ser humano pode ser.
Pessoas julgando brutalmente por uma coisa que TODOS FAZEM. Nunca vi tamanha falta de respeito, fiquei envergonhada de ser brasileira.
Lendo os comentários, passei a concordar com o que li em um blog de um amigo: é feio ser rico no Brasil. Todo mundo nesse país vai ter uma inveja inconsciente ou consciente de você. Todos vão querer apontar o dedo na sua cara por algo que o país inteiro faz única e exclusivamente pelo dinheiro que você possui no banco.  Ninguém vai ligar se você tem família, se tem filhos, se lutou bravamente contra um câncer durante anos mantendo um império em pé. No fim sempre vão pescar tudo o que você fez de errado em um mar de coisas boas e corretas.
Quero dedicar esse post á todos que passam pela a mesma situação que eu. Que possuem um pai ou uma mãe, um irmão ou uma avó com câncer, ou um amigo. Também queria dizer que é uma HONRA receber tantos comentários e desabafos pessoais, torna esse desafio que é escrever nesse blog tudo o que eu sinto, mais fácil, é uma recompensa. Fico emocionada e nunca esperava isso.
Queria agradecer por compartilharem a luta de vocês, comigo. Todos somos uma família sofrendo pelo mesmo problema, sentindo as mesmas coisas. Somos todos ligados por essa doença, mas estamos de mãos dadas diante dela, não podemos esquecer. Quero tornar público meu apoio, e pedir encarecidamente que se precisarem de algo, estou aqui, quero ajuda do mínimo jeito que consigo. Todos somos guerreiros,  guerreiros com cicatrizes de guerra das quais no futuro poderemos nos gabar.
Se vocês são jovens, não se sintam obrigados a viver a juventude, á sair todos os dias e viajar. Vocês não são obrigados á fazer o que não quiserem. Façam o que for conforável para vocês, pro coração de vocês. Se quiserem ficar em casa mimando esses guerreiros que lutam contra essa doença, façam isso, eles merecem e vocês também.
Não se obriguem e nem exijam muito de si mesmos, aprendi que o mundo fica bem mais leve quando se tem alguém para dividir o peso.
Nunca percam a força, se precisarem de um momento para se recompor, tomem esse momento. Sofram se sentirem necessidade, gritem, chorem. Amem cada segundo possível, façam boas lembranças, lembranças que no futuro farão com que essa doença seja meramente um detalhe, uma lombada na estrada.

Sinto orgulho de todos, estamos nessa luta juntos.

Destrancando a Porta

Eu sempre fui uma pessoa muito fechada, muito mesmo. Eu não falo muito sobre o que eu sinto e pouquíssimas pessoas já me viram chorar. Não sei se foi por criação ou por consequência de tudo o que aconteceu, mas sempre achei que precisava ser forte em qualquer situação, e que 'ser forte' significava não chorar e sempre falar que 'está tudo bem'. Tenho tatuado nas minhas costas a frase 'C'e una forza in nói', ou seja 'há uma força em nós'. Fiz a tatuagem 5 anos depois da morte do meu avô. Minha justificativa para explicar o porquê dessa frase sempre foi que 'eu consegui superar a morte da pessoa que eu mais amava no mundo com 11 anos, você só sabe a força que tem quando ser forte é a única opção'. Mal sabia eu que teria que ser bem mais forte que aquilo.
Me vejo como uma porta trancada com cadeados. Em momentos como a descoberta do câncer da minha mãe, fico sensível, sem chão, desarmada, fazendo com que uma fresta da porta se abra.
Quando a tal fresta se abre, QUALQUER coisa que seja dita vai ser absorvida e depois trancafiada de novo, vai ser um eco constante na minha cabeça.
Quando descobrimos o câncer, naturalmente fiquei sem chão. Todos tentavam me consolar, mas infelizmente o conceito de 'ser forte' pras pessoas da minha família é o mesmo que o meu, então não ajudou muito.
 Minha mãe tinha acabado de sair do procedimento cirúrgico no qual os médicos iriam analisar se mais algum órgão possuía indícios de câncer. Enquanto eu esperava, fui comer no andar de baixo. Quando fiquei sabendo que ela estava indo para o quarto, larguei tudo e subi. Meu pai estava comigo no elevador e disse uma frase que me assombrou por muito tempo "arma o teatro, filhinha".
Não culpo ele por ter dito aquilo, era o que ele podia me dar no momento, cá entre nós é muito difícil consolar alguém em uma siuação tão inconsolável, você acaba falando a primeira besteira que passa na sua cabeça. Infelizmente posso afirmar com toda a certeza que parte desse meu desequilíbro atual é porque eu segui piamente o conselho não só naquela época, mas até agora.
Como eu disse no post anterior, sabemos o quão mal isso me fez.
Outra coisa que carreguei comigo foi uma frase que minha mãe me disse no dia seguinte da descoberta do tumor. Entrei no quarto, sentei na cama e dei um sorriso, ela me perguntou como eu havia dormido e menti falando que havia dormido bem. Ela então pegou minha mão e disse "A única coisa que eu não vou conseguir lidar é se você e sua irmã desabarem, o resto eu lido com tudo".
Por 1 ano e 2 meses levei essas duas frases como lemas.
Diversas vezes durante esse tempo ouvi pessoas sugerindo que eu fizesse terapia. Não me levem a mal, mas nunca acreditei nos métodos de um terapeuta. Sempre pensei que para me aconselhar, a pessoa tem que ter passado pelo que eu passei, senão, não teria como me ajudar. Sem contar que eu não conto da minha vida nem para as minhas amigas direito, imagina contar para uma mulher que eu nem nunca vi na vida.
Adiava e adiava a tal terapia, até que houve um momento de sensibilidade no qual resolvi pedir ajuda. A grande realidade é que tinha medo de ser julgada, rotulada de 'louca' ou 'errada', sempre tive medo de fazer coisas erradas ou agir de forma errada diante de uma situação. Joguei a toalha (pelo menos era como eu via) e admiti que não consigo sozinha, me senti fracassando, mas era a realidade, tentei não pensar muito naquilo e simplismente ir.
Na primeira sessão, minha terapeuta Patrícia me disse 'não é só você, em uma situação dessas NINGUÉM consegue sozinho'. Passei então a entender que não há como vivenciar uma coisa dessas sem pedir ajuda, sem conversar, com o copo sempre transbordando. Eu não sou louca, nem sou a primeira pessoa que passa por isso. Quem passa por isso sabe o desafio diário e sabe o quão difícil é ainda por cima ter que se preocupar com a própria saúde mental.
Comecei a olhar a terapia da seguinte forma: durante a semana o meu copo vai se enchendo, quando vou na terapia o copo esvazia. A terapia torna as coisas mais suportáveis, não me deixa tão no limite o tempo todo.
O engraçado é que só quando fui na terapia a tal porta resolveu se abrir de novo, só lá eu consegui abrir mão dessas suas frases que me 'carregaram' (mas mais me afundaram) por tanto tempo. Chega a ser até ridículo porque saio de lá em um nível absurdo de sensibilidade, á ponto de começar a chorar no elevador!
Com a minha porta se abrindo, comecei a olhar as coisas de outra forma, comecei a considerar pensar em mim um pouco. Me ajudou a ver um meio termo entre o 'certo' e o 'errado'.
Na terapia, fui aprendendo que o meu conceito do que é 'ser forte' é um pouco fantasioso. Hoje eu vejo que esse conceito pode levar alguém a loucura.
Acho que agora minha tatuagem tem um significado novo pra mim. Agora vejo que ter força é aceitar sua fraqueza. Sua força vai sair da sua fraqueza. É aquela meeesma história de que 'pra ficar bem você precisa ficar mal'. Ser forte é ser humilde o suficiente de admitir que você não está bem e que precisa de ajuda, é tirar um aprendizado de tudo que acontece.
De pouco em pouco espero conseguir diminuir o número de cadeados na minha porta e conseguir deixar meu lado humano se destacar mais do que meu lado robótico de 'certo ou errado'

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Aprendendo a Errar

Sempre quis aprender a cozinhar. Conforme fui crescendo e vendo o quão difícil e arriscado aquilo tudo era, passei a perder o interesse. O ato de cozinhar pode ser uma delícia, mas você corre o risco de ter um trabalho imenso para fazer um bolo e no final ele sair queimado.
Eu não sei errar. As poucas vezes que eu cozinhei, sempre deu errado e eu acabava frustradíssima por não ter conseguido fazer coisas básicas que todos conseguiam. Não dá, minha relação com o fogão é horrível. Eu sou aquela pessoa que coloca plástico no microondas, já coloquei mel por 5 minutos para fazer a cobertura de um bolo surpresa para minha mãe e acabei queimando a mão da minha irmã. Eu não sei as regras da cozinha, só sei que morro de medo de explodir minha casa, queimar alguém, fazer tudo pegar fogo.
Por algum mistério da vida, a única coisa que eu sei fazer é bolinho de arroz, que modéstia á parte, sempre sai maravilhoso, mas isso só aconteceu depois de muitas tentativas inspiradíssimas. Coitada, me vangloriava tanto por saber fazer, achando que estava fazendo um banquete.
Crescendo em uma família armênia, todo mundo sabia cozinhar. É praticamente lei no Oriente Médio uma mulher ter que saber cozinhar para cuidar da família e do marido. Minha bisavó tinha diversas receita de própria autoria que passou para seus netos, incluindo minha mãe, que guarda até hoje um livro com receitas de vários membros de várias gerações da família.
A mesma, de vez em quando acorda possuída e vai pra cozinha. Nesses dias ela faz comida pra pelo menos, 1 mês, é sensacional. Ela coloca uma música e acaba ficando lá por horas.
No ano da descoberta do câncer (2011) em especial, a vontade e urgência da minha mãe em que eu e minha irmã aprendessemos a cozinhar aumentou muito. Por um lado eu entendo, ela sempre quis que conseguíssemos nos virar sozinhas, mas por outro fico triste porque imagino o que se passa na cabeça dela.
Estou fazendo terapia. Em uma das sessões estávamos discutindo sobre o Natal que estava chegando, e receitas de família. Não sei porque ela perguntou se eu tinha curiosidade de aprender a fazer alguma receita, e sem pensar disse que sim. Minha avó linda Jeanete, fazia um arroz com amêndoas no Natal. Acho que foi a única coisa que me lembro de ter visto minha avó fazer, e me marcou muito. Ano passado em especial, senti essa vontade porque minha avó faleceu (vou falar disso em outro post porque ainda não consegui) e não teríamos o arroz naquele Natal. Eu sabia que todos iriam sentir muita falta dela naquele dia e quis fazer algo em sua memória. Minha terapeuta sugeriu que eu fizesse o arroz para quebrar a barreira, o medo de errar. Aceitei o desafio.
Fiz o arroz dois dias: na véspera e no dia do Natal. Na véspera era o aquecimento, minha mãe me ajudou, me explicou passo a passo e não saiu muito bom, podia ter mais amêndoas, enfim (sabia que não ia achar bom de primeira porque eu sou muito perfeccionista). Fiquei empolgada por ter conseguido fazer e estava pronta para o grande dia. No dia do Natal a família inteira da parte da minha avó veio: primas, tias, tios. Fui até a cozinha e pedi que NINGUÉM me ajudasse, isso ja me deixou um pouco apreensiva porque acho que fui muito metida a corajosa.
Quando vi já estava toda cozinheira, colocando a manteiga na panela, as amêndoas, o arroz e fazendo todo aquele processo que eu julgava ser tão difícil. Quando terminei, coloquei o arroz na travessa e veio minha avó na cabeça, ela sorrindo e falando 'isso, minha vida!', do jeito que ela me chamava.
Já com o aval da minha avó, coloquei a travessa na mesa e esperei. As pessoas foram se servindo e comecei a escutar 'hmmmm', 'nossa! tá igual ao da Jeanete!'. Não sabia se estavam falando para me agradar porque minha família tem essa mania, mas gostei de pensar que não, que estava realmente gostoso. (acabei de descobrir que eles só souberam que fui eu que fiz, depois que já tinham elogiado)
Fiquei muito feliz, muito mesmo, perdi meu medo de cozinhar, de matar alguém com água quente, de explodir a casa.
Hoje decidi que ia fazer um livro de receitas para mim mesma, para eu levar adiante. Pedi que minha mãe me ajudasse, queria muito que ela fizesse parte disso, sei que ela ficou feliz com a minha iniciativa de querer aprender e estar disposta a errar. Separamos receitas de todo mundo, desde livrinhos da Nestlé de quando minha mãe era jovem, até receitas das diversas empregadas que passaram pela família, desde receitas da minha bisavó até receitas atuais. Querendo ou não, uma das várias coisas que permanece em uma família por anos sem ser o sobrenome, são as receitas, é uma coisa imortal que passa por várias gerações. Eu quero mesmo um livro de receitas porque sou gulosa e quero que um dia se eu tiver vontade de alguma comida, levantar e eu mesma fazer! E QUE NÃO SEJA BOLINHO DE ARROZ!
Enfim, estou pouco a pouco aprendendo com a culinária mensagens subliminares que seguem de mãos dadas com essa arte: que para se acertar é necessário algumas tentativas que nem sempre vão ser um sucesso. Aprendendo que para ficar bem, é preciso passar pelo ruim.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Praticando o egoísmo

Depois de muito tempo, ontem encontrei duas amigas minhas do Gracinha. A opinião delas sempre foi muito importante pra mim por 2 motivos: além delas serem minhas amigas, as duas prestam Psicologia. Na minha cabeça é como ter psicólogas de plantão 24hrs por dia, porque elas possuem um enteendimento maior sobre o que se passa na mente humana, consciente e inconscientemente.
Conforme fomos conversando, passei a perceber uma coisa: eu não sei mais o que me faz feliz. Eu não estou bem, minha cabeça não está bem e está mais do que na hora de enfrentar isso. Uma das minhas amigas disse uma frase que ficou presa na minha cabeça durante a noite inteira: 'Se você tem força o suficiente pra passar por tudo isso, porque você não teria a força de pensar em si mesma uma vez na vida? Não dá pra ajudar os outros sem você estar bem'. Essa frase final eu escuto quase todos os dias de diversas bocas, mas acho que não teve um impacto tão grande quanto teve ontem.
Eu não posso ajudar minha mãe se eu não estou bem, afinal, ela me conhece mais do que ninguém e não adianta eu fingir que está tudo bem.
É estranho pensar isso agora, que eu cheguei em um ponto onde me preocupo tanto com o bem-estar de todo mundo em volta de mim, com como todo mundo está lidando com isso, que eu esqueci quem eu sou. Não sei mais o que me faz feliz, eu esqueci.
Durante esse um ano e pouco de câncer, meu corpo passou a se manifestar mais em relação á tudo que eu guardava dentro de mim. O resultado? Três úlceras em 1 ano.
Eu passei a ME enganar em achar que eu estava bem, que eu consigo lidar com isso sozinha, mas meu corpo acabou me denunciando.
Não é certo nem saudável se deixar ser sugada por um furacão que é essa doença. Não é.
Estou admitindo aqui praticamente em público que estou com muito medo de mim mesma. Não achei que conseguia chegar nesse ponto, onde para mim tudo o que eu faço parece ser tao certo, mas está tão errado e só me fazendo mal.
É como se eu tivesse que reaprender a pensar em mim. Repeti diversas vezes ontem conversando com as meninas 'eu não consigo', como se fosse um disco velho repentindo a mesma música over and over.
Por incrível que pareça, eu me esforço, eu estou me esforçando mas é muito difícil sair de casa (mesmo com a minha mãe praticamente me implorando pra eu ir me divertir) e deixar ela sozinha em casa.
Sei que ela não é de cristal, sabe se cuidar sozinha, mas não sei porque sinto esse instinto constante de não deixar ela sozinha em nenhum momento. Não sei se é desespero, medo de que algo aconteça quando eu não esteja em casa. Não sei se lá dentro da minha cabeça, no meu sub-consciente exista uma esperança de que ficando perto dela, eu protejo ela do câncer.
Me deixa muito triste saber que estou assim, muito mesmo. O sentimento é parecido com o de se matar de estudar para uma prova, achar que você mandou super bem, e quando sai o resultado você tirou 0. É esse sentimento multiplicado por 1 milhão.
Uma coisa engraçada é que sempre que minha mãe estava com um problema e mesmo assim se preocupava com o dos outros, eu falava pra ela 'não dá pra ajudar os outros se voce não está bem'. Parece que minhas próprias regras não se aplicam à mim.
De hoje em diante vou tentar ser um pouco egoísta, porque cheguei á conclusão de que preciso fazer isso para não ficar louca ou doente. E se não conseguir por mim, que consiga pela minha mãe, que sempre foi uma motivação para mim.
Ela já me disse uma vez 'você é igual á mim, sempre se preocupando com os outros, e agora olha como eu estou'. Eu preciso me redescobrir, me refazer do 0. Não quero ser essa pessoa paranóica que eu estou sendo, quero ficar bem, quero aprender a cuidar de mim mesma porque sei que no fim, é isso que vai fazer minha mãe, eu, e toda a minha família feliz.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O cabelo

O que qualquer pessoa pensa quando vê uma mulher careca na rua? 'Ela tem câncer'.
Ja é da nossa natureza pensar isso, carecas remetem á câncer.
Desde o começo do tratamento, tudo o que a gente ouvia sempre que uma nova quimio começava era 'o cabelo não vai cair por completo, mas vai rarear'. Sinceramente, tanto eu quanto minha irmã sabíamos que podia chegar o momento em que minha mãe fosse ficar careca, afinal, se tratando de câncer você não pode duvidar de nada.
A grande vaidade da maioria das mulheres do mundo é o cabelo. Ele transmite a feminilidade, ele faz a mulher ficar bonita, sensual e afinal, é uma coisa que todo mundo vai ver porque está na sua cabeça.
Desde que me conheço por gente assistia minha mãe acordar, tomar banho e, ainda de toalha, pegar o secador, a escova redonda e começas a arrumar seu cabelo. Isso era uma tradição quase. Tão tradição que depois que eu descobri essa benção que é o secador, passei a também fazer esse ritual diário, igual á minha mãe.
Eu sou armênia e cresci no meio de uma família na qual todas as mulheres viviam com os cabelos e a aparência impecáveis para agradarem seus maridos e á si mesmas. Não deixavam UM FIO branco aparecer que já estava na hora de tingir de novo. Minha avó mesma, mãe da minha mãe, fazia o tal 'ritual' todos os dias, mas ainda completava com o laquê. Enfim, cabelo sempre foi importante para nós.
No terceiro tratamento (existem 6 para o tipo de câncer da minha mâe) o cabelo dela começou a cair. Mas não é que caía pouco cabelo, caía muito.
Eu e a Sté até tentávamos esconder um pouco fingindo que íamos abraçar ela para que pudéssemos tirar os cabelos da blusa dela ou do travesseiro, mas ela acabava percebendo.
Não foi fácil. Era como assistir minha mãe se esvaindo diante dos nossos olhos, como se a cada fio de cabelo que caía, uma parte da minha mãe também ia junto.
A pior parte de tudo isso era ver a tristeza nos olhos da minha mãe toda vez que ela olhava para o chão e via aquele mar de fios de cabelo. Isso pra mim era a morte.
Muitas vezes ela pedia para eu recolher porque ela não conseguia.
Depois de perceber que seu cabelo estava caindo, minha mãe passou a cortar o cabelo mais e mais curto, na esperança de que a queda diminuísse. Não foi o caso.
A queda chegou em um ponto tão absurdo que ela passou a usar um lenço, mesmo sem estar careca, para evitar que os fios caíssem no chão.
Um dia quando estava chegando em casa do trabalho, me deparei com ela sentada na poltrona retirando os bolos de cabelo de sua blusa.
Sentei na frente dela e falei da possibilidade dela raspar. Eu não era a favor no começo do tratamento única e exclusivamente por egoísmo meu, por medo de como eu me sentiria, por medo de não conseguir mais esconder meu medo de perder minha mãe na frente dela. Outra coisa sobre o câncer: sua cabeça muda de 5 em 5 minutos á respeito da doença.
Você só sabe sua reação depois que a coisa acontece, e nunca é o que se passa na sua cabeça. Raspar era o melhor pra minha mãe, dane-se eu, eu teria que me acostumar e dar força pra ela.
Enfim, conversamos e pedi que ela pensasse. Claro, usei os argumentos de que a Demi Moore já tinha raspado, a Natalie Portman, a Carolina Dieckman em Laços de Família! Aquela novela que TODO MUNDO usa de referência na hora de pensar em 'como deve ser raspar o cabelo por causa de câncer'.
Dei tempo para ela pensar e no fim ela acabou concordando. Não imagino o quão difícil foi essa decisão. No dia em que ela decidiu, fui ao shopping com uma amiga e comprei o lenço mais bonito que achei, de seda, com várias rosas vermelhas estampadas (minha mãe ama rosas). Cheguei em casa e a presenteei com o lenço, afinal, ela precisaria de um para estreiar a careca nova.
Em uma quarta-feira, ela foi á um salão conhecido e raspou. Infelizmente não pude ir porque estava trabalhando e cheguei tarde demais.
Enquanto minha mãe estava raspando, conversava com a minha irmã e minha prima, que estavam junto, por mensagens no celular para saber como ela estava reagindo. Tudo estava correndo bem, e assim que saí do trabalho corri para casa.
No elevador já pedi para mim mesma 'se controla, não fica chocada, não demonstra'. Assim que abri a porta de casa me deparei com aminha mãe sentada na poltrona, LINDA.
Eu achei que eu ia ficar chocada, triste, mas acho que foi um dos melhores sentimentos que eu já senti na minha vida, era como ver minha mãe levantando de novo, pronta para lutar mais. Ela estava sentada e quando me viu abriu um sorriso imenso.
Estava toda maquiada, com os olhos pintados do jeito que ela sempre faz e com um lenço na cabeça.
Senti alívio. Fiquei tão feliz por ela não estar triste, esse era meu maior medo.
Ela me deu um beijo, e mostrou a carequinha. Ela estava mesmo linda, não estou falando isso por ela ser minha mãe.
Acho que ela sentiu alívio em ver que nem eu, nem minha prima, nem minha irmã ficamos chocadas, as 3 amaram! No dia seguinte, eu e minha irmã compramos uns 30 lenços e demos para a minha mãe, ela amou!
Não vou mentir, as pessoas olham. Alguns olham assustados, outros olham com admiração. Tenho vontade de mandar tomar naquele lugar todo mundo que olha assustado, e na maioria das vezes não consigo me segurar e acabou soltando um 'OI, TUDO BOM????' bem grosseiro com aquela cara de 'QUER TIRAR UMA FOTO? DURA MAIS TEMPO'. O mundo de hoje já devia estar acostumado. É uma coisa que está presente no dia-a-dia. O câncer está cada vez mais presente e parte da gente fazer com que esses guerreiros se sintam á vontade e orgulhosos de expor suas carequinhas por aí.



Minha mãe já era linda ao meu ver, mas ficou mais ainda por ter tido a coragem de raspar o cabelo e de mostrar sua luta sem vergonha nenhuma enquanto desfila sua careca nova coberta por lenços das mais diversas cores e estampas. Razão número 9383749404027 para eu ter orgulho de chamá-la de 'mãe'.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Vou usar esse post para fazer uma divulgação. Durante o fim de semana, comprei uma televisão nova. Além da minha antiga televisão, há vários outros eletrônicos sem uso aqui em casa, entao resolvi procurar uma instituição para doar.
Acho doação uma coisa linda, por anos assisti minha mãe fazer doações para o GRAAC (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer) e para o ICRIM (Instituto de Apoio à Criança e ao Adolescente com Doenças Renais). As duas instituições são demais e ajudam as crianças de todas as maneiras possíveis, mas não queria doar para nenhum desses dois lugares porque sei que ambos possuem grandes patrocinadores, e sei que há casas que mesmo com muito pouco, tentam ajudar.
Continuei procurando até que me deparei com a Casa Maria Helena Paulina. Entrando no site, procurei um pouco sobre a história da casa.
Basicamente uma enfermeira que trabalhava no Hospital das Clínicas se aposentou e acabou descobrindo que estava com câncer de mama. Durante seu tratamento, Maria Helena se deparou com diversas famílias carentes de várias partes do Brasil que vinham fazer tratamento em São Paulo (já que aqui é uma cidade com mais recursos)  e tinham dificuldades em se hospedar na cidade por falta de condição financeira. Em uma de suas sessões de quimioterapia, uma menininha de 3 anos, Janaína, chamou sua atenção. Conforme Maria foi conversando com a mãe da pequena, descobriu que elas passavam o dia no tratamento e que á noite, dormiam em baixo de um viaduto.
Isso é EXTREMAMENTE perigoso por vários motivos: primeiro pelo fator da segurança, vamos combinar que São Paulo pode ter mais recursos mas também tem mais violência. Segundo, a imunidade de uma criança, ja é naturalmente menor do que a de um adulto. Terceiro, a imunidade de qualquer pessoa durante a quimioterapia fica MUITO baixa, podendo deixar UM ADULTO cansado de andar até a esquina. doente de ficar dentro de uma sala de cinema... Imaginem o que isso não faz com uma criança de 3 anos morando em baio de um viaduto sujo, cheio de poeira.
Chocada com a situação das duas, Maria Helena resolveu pesquisar casas de apoio á essas famílias. Na época só haviam DUAS casas que faziam esse trabalho e que muitas vezes não atendiam á todas as necessidades dessas pessoas por falta de recursos e suprimentos. A ex-enfermeira então, logo antes de falecer, pediu que sua própria casa fosse transformada em uma casa de apoio para essas famílias.

Eu particularmente fiquei muito sensibilizada com a história. É incrível uma família vir para cá, mesmo sem condição nenhuma de sequer ter aonde dormir para conseguir que seu filho, irmão ou mãe tenha a chance de lutar pela a vida durante o tratamento.
Posso dizer porque presencio isso todos os dias: o tratamento para um paciente com câncer é muito pesado, acho que é um direito do ser humano que tenha o mínimo de conforto e segurança para enfrentar uma coisa tão horrível como um câncer, seja criança, adulto ou idoso.
O tratamento por si só ja é muito cansativo tanto emocionalmente quanto fisicamente para os pacientes e suas famílias, acho que eles não devem ainda se preocupar com aonde vão dormir, é um DIREITO.

Enfim, achei demais a instituição, sem contar que o pessoal lá é super simpático e tem amor pela causa. Eles aceitam de tudo e até tem um esquema de vender algumas doações que não são tão urgentes e converter o dinheiro para a Casa.

Vale a pena ajudar!

http://www.casamariahelenapaulina.org.br/

domingo, 19 de fevereiro de 2012

O Dedetizador

Uma coisa engraçada sobre o câncer: ele espanta as pessoas. Eu passei a ter um conceito completamente novo do que é 'amizade' depois desse demônio.
Passei a analisar que conforme as paredes vão estreitando, o número de pessoas que conseguem ficar nesse espaço com você, diminui.
Eu nunca fui uma pessoa lotada de amigos, nunca mesmo. Desde pequena 'ter amigos' sempre foi uma dificuldade pra mim, e conforme fui crescendo, ter poucos amigos passou a ser uma opção.
Estudei na Escola Nossa Senhora das Graças, vulgo Gracinha. Foi ali que começou essa minha tentativa eterna de ser igual aos outros pra ter mais amigos.
Sabe aquelas meninas que brincavam de barbie, polly e que gostavam de se vestir de princesa no carnaval? Então, não era eu. Eu era aquela lá que ficava com os meninos brincando de futebol, luta, e que me vestia de Power Rangers no carnaval. Aquela que nenhuma das meninas gostava de brincar e que todo mundo chamava de 'menino' pra irritar.
Sinceramente, eu me irritava muito e ficava bem magoada com esses comentários, mas hoje dou gráças a Deus por ter tido uma infância assim, do jeito que eu queria. Falo com o maior orgulho que minha infância foi muito melhor do que a daquelas babacas que ficavam brincando de barbie.
Na quinta série, eu passei a sentir falta de ter amigas meninas, os meninos começaram a implicar. Em uma tentativa desesperada de ser aceita, um belo dia resolvi colocar uma calça jeans (isso era novidade pra mim porque eu vivia a base de calça moletom), uma regatinha, uns brincos azuis que tinha comprado em uma feirinha hippie e prendi meu cabelo com uma piranha. Era outra Jessica, e nesse mesmo dia as meninas começaram a falar comigo, sobre minha mudança e que 'a Jessica resolveu virar menina'. Conforme as séries foram passando, ficou um problema menor 'não ter tantas amigas', e consegui aceitar e desenvolver melhor minha feminilidade. Hoje, apesar de ainda ter paixão por calça moletom, só uso em casa, e o futebol, depois de praticar por uns 3 anos no clube, parei.
Eventualmente depois de repetir de ano, mudei de escola, fui para o Pueri Domus. Lá eu me enturmei beem melhor.
Enfim, nunca fui uma pessoa de mil amigos. Coincidentemente, as únicas meninas que não se importavam com o meu jeito no Gracinha e que não riam de mim, estão comigo até hoje. Não consigo agradecer á essas amigas o suficiente por terem sido minha base e por terem tornado minha estadia naquela escola tolerável, devo muito á elas. Agora: as meninas que resolveram virar minhas 'amigas' só depois que eu mudei o jeito que me vestia, não estão.
Sabe, eu acho que quando você assiste um filme da Disney e vê aquelas lições de moral escondidas pras crianças de 'seja você mesmo' e 'seus amigos te amarão não importa o que aconteça', não percebe o quanto aquilo tem fundamento até vivenciar.
Quando as pessoas descobrem que sua mãe tem câncer, todo mundo quer mostrar soliedariedade, todo mundo que falar 'conte comigo pra tudo', todo mundo quer parecer um puta amigo presente, mas aí é que tá: poucos conseguem.
É muito bacana se fazer de super amigo e fazer um discurso imenso sobre o quão forte você é e o quanto todos te admiram, e que a pessoa 'sempre vai estar ali a qualquer hora do dia'.
Mas na hora que você quer sair um pouco pra arejar a cabeça depois de descobrir que sua mãe tem metástase no pulmão e em alguns ossos,  você liga pro tal amigão e ele te fala que vai na balada, e que é o único dia que ele pode sair na semana, mesmo sabendo que você odeia balada.
Infelizmente eu me decepcionei com muitas pessoas, tive raiva de muitas pessoas, mas hoje eu vejo que 'ninguém dá o que não tem', segundo minha mãe.
Não dá pra esperar de uma pessoa, uma coisa que você tem certeza que faria por ela. Você se engana tanto em relação ás pessoas que você acha que são seus amigos, que quando uma coisa para a qual você realmente PRECISA deles acontece, você na maioria das vezes se decepciona, mesmo sabendo que todas as vezes que ele te ligou chorando, você escutou e animou ele.
Cheguei á conclusão de que a vida me trouxe amigos maravilhosos. Pessoas com as quais eu preservo 11 anos de amizade desde o Gracinha, até pessoas que eu conheço á menos de 2 anos e que ainda sim se mostram melhores amigos do que pessoas que conheço a 5. Pessoas que encontrei porque repeti de ano (que eu julgava ser a pior coisa do mundo porque teria que mudar de escola) e que acabaram sendo amigos de ouro. Ou até pessoas 'amigos de amigos' que nem são da mesma escola que você, que o tal do amigo que apresentou nem está mais aqui e quem permaneceu foi o que você conheceu.
O câncer tem suas facas de dois gumes e essa é uma delas. Se decepcionar com 'amigos' e ganhar irmãos e irmãs.
Na sua vida você não precisa de amigos que não sabem o que falar e ficam falando que 'vai ficar tudo bem', você precisa de amigos que te abracem e falem 'tudo tá mesmo uma merda, mas a gente vai superar juntos'.
Queria agradecer do fundo do meu coração á todos vocês, meus amigos queridos.
Agradecer por vocês terem me ensinado o significado de uma amizade, por vocês me respeitarem tanto quando quero ser deixada sozinha, por agirem tão rápido ao verem que eu não estou bem ou que algo aconteceu.
Obrigada pela paciência e palavras de força. Obrigada por além de me apoiarem, apoiarem também minha mãe. Sei que vocês rezam por ela e vou ser eternamente grata á essas orações.
É impossível pra mim agradecer o suficiente, vocês fazem por mim mais do que pensam, só de estarem perto de mim.

Eu amo vocês.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A apresentação

Chega um momento em nossas vidas no qual Deus nos joga no meio de um mar imenso e profundo, sem bóias ou colete salva-vidas para ver quem consegue nadar. Já aviso que não é só uma vez na vida, então podem ir malhando essas pernas porque a natação vai ser boa...

Eu estou nesse momento, lutando para conseguir nadar junto com a minha mãe e irmã.
Meu nome é Jessica Djehdian, tenho 19 anos e sou estudante de Jornalismo. Além do fato de que eu não falo muito sobre os meus sentimentos e que eu não suporto laticíneos, não há nada muito concreto para apresentar aqui além disso.

Em janeiro de 2011 descobrimos de modo repentino que minha mãe estava habitando (e sim, vou falar como se fosse um alien porque pra mim, é) um colangiocarcinoma de quarto grau em seu fígado, ou seja, um câncer no pior grau possível.

Antes de aprofundar nisso, faço questão de falar da minha mãe, porque afinal, o que é esse câncerzinho de quarto grau comparado à mulher que minha mãe é?
Valéria Djehdian: a melhor mãe que uma pessoa pode ter e mulher mais forte que alguém pode conhecer e a melhor amiga que existe no mundo. Não consigo listar a quantidade de coisas que ela já passou, mas posso dizer que ter assistido ela passar por tudo isso com tanta classe e força, só faz eu aspirar mais ser como ela. Ela é a única pessoa que eu conheço que mesmo doente, se importa mais com a dor dos outros diante disso, do que a própria dor.
Preciso enfatizar também o orgulho que eu sinto dela. O fígado dela pode não valer nada agora, mas o coração vale ouro.
Canceriana que sou, sempre fui muito grudada na minha mãe e acima de tudo, carente. Eventualmente chegou um momento na minha vida onde passei a confundir a carência com a admiração, com querer observar todos os passos dela pra ver se eu conseguiria um dia fazer igual.
Palavras não existem para descrever o amor que sinto pela minha mãe, o respeito e o quanto eu luto todos os dias para retribuir (ou pelo menos tentar), tudo o que ela fez por mim.
Além de sempre me defender com unhas e dentes, me ensinou valores puros, cuidou de mim e da minha irmã como se fossemos as jóias mais raras do mundo. Me deu um abraço quando eu precisava, uma palavra de amor, um incentivo.
Não consigo expressar a gratidão que eu sinto por Deus ter me dado uma mãe dessas, que se importa comigo, que me ama mais do que tudo e que vive por mim.
Qualquer ação dela diante desse câncer eu vejo que não é por ela, mas por mim e pela minha irmã.

Bom, eu nem sei como eu começo a falar desse câncer, porque em voz alta pra mim ja é difícil.. mas vamos lá.

Tudo começou quando ela ia viajar para NY e no mesmo dia sentiu uma dor ridiculamente forte no estômago. Me ligou chorando falando para eu me arrumar que iríamos no hospital. No fim da tarde já estávamos sentadas nas cadeiras do Hospital São Luiz esperando chamarem minha mãe, mas tinha São Paulo inteira esperando na frente dela, então ficou desagradável.

Enfim, os médicos fizeram uma ressonância nela e viram que havia uma 'massa' em seu fígado que estava comprimindo seu estômago, por isso a dor. Na hora de me contar, ela manteve a maior calma do mundo e me disse com uma voz doce 'filhinha, eles acharam uma massa no meu fígado e querem que eu fique aqui para eles darem uma olhada no que é, vai pra casa, descansa e amanhã você volta'. -Nota: minha mãe deixou claro desde o começo que nao mentiria para nós duas em nenhum momento durante essa trajetória.- Continuando.. louca do jeito que eu sou, comecei a chorar porque naturalmente fiquei assustada, era a primeira vez que veria minha mãe em uma cama de hospital minha vida toda, a mulher que eu achava que era de aço. A estadia no pronto-socorro também não ajudou muito: minha mãe ficou durante 26 HORAS deitada naquele saco de areia que eles chamam de 'leito', morrendo de dor porque não havia lugar na BOSTA (desculpa mas it is what it is) de hospital. Após 5 episódios nos quais eu fui até o balcão e fui bem grossa com o enfermeiro, minha mãe conseguiu um quarto.

Depois de uns 2,3 dias de exames e biópsias (sim gente, não é só gente morta que ganha isso) os médicos pegaram um horário super propício para dar a notícia: quando só estávamos eu e minha mãe no quarto. Com aquela super energia legal de 'você não dura até amanhã' que os médicos entraram no quarto, vocês já podem imaginar o que a gente tava sentindo. O médico e o enfermeiro se apoiaram no pé da cama e enquanto o SUPOSTO médico olhava pro chão, o ENFERMEIRO disse: 'nós fizemos a biópsia e encontramos 3 gângleos inchados... e eles são malignos'. Me diz meu povo, O QUE VOCÊS PENSAM QUANDO ESCUTAM A PALAVRA 'MALIGNO'??? Pois é, não pensam em nada, é isso que aconteceu comigo. Depois de ouvir 'maligno' eu parei de escutar, eu não consegui. Aquilo ficou fazendo um eco eterno na minha cabeça. Como assim a minha mãe, a pessoa que eu mais amo no mundo, com câncer? QUE? Só quero enfatizar também que isso validou a minha teoria de que 'ser saudável e não comer gordura trans' é falsa, porque minha mãe não bebia, ela se exercitava, se cuidava E NÃO COMIDA GORDURA TRANS (percebam meu amor por gordura trans).

Só sei que ouvi minha mãe perguntando 'então é câncer?', vi o médico afirmando com a cabeça e quando olhei de novo para a minha mãe, ela estava me olhando. Foi um momento lindo e triste ao mesmo tempo, parecia que o médico nem estava lá falando como a gente ia proceder, a quimio, o tratamento. Ela me olhou com lágrimas nos olhos com uma cara de 'faltava isso né filhinha?'. Eu vi o quanto ela queria sair daquela cama e me abraçar, mas os fios que estavam ligados á ela dando soro, não deixaram.

Os médicos saíram do quarto depois de apertar minha mão (EU CHORANDO E O CARA VINDO APERTAR MINHA MÃO, PRÊMIO FALTA DE SIMANCOL DO ANO) e assim que eu ouvi a porta fechar, comecei a pirar. Olhando agora eu me arrependo profundamente da minha reação. Dane-se que eu fiquei triste sabe, é minha mãe com tá com câncer, era pra eu consolar ela, não o contrário. Levantei, fui pra janela e comecei a me abanar com as mãos, em desespero.

Olha, eu queria muito tentar explicar o que eu tava sentindo, mas não dá. Aquilo me consumiu em 2 segundos e tava se transformando em uma dor física. Minha mãe, sentada, me deu meu tempo e enquanto isso, ligou para minha irmã, que estava viajando. Nem ouvi como minha irmã reagiu, entrei em hipnose, foi muito estranho.Quando me reconstituí, fui até minha mãe e sentei do lado dela. 'Eu vou fazer a quimio, e enquanto tiver remédio eu vou tomar, mas a única coisa que não vou aguentar é ver vocês mal'.

Aquela 1 semana que ela ficou no hospital foi como se eu fosse uma lata de coca-cola e jogassem uma mentos lá dentro e depois fechassem (pra quem não sabe, fazendo isso, a coca explode em um nível vulcânico). Parecia que tinha uma corda no meu pescoço, e que eu não podia mostrar fragilidade com medo de deixar minha mãe triste.. com medo daquilo piorar.. eu estava desesperada e realmente não sabia o que fazer, então comecei a fingir que estava bem. Olha, outra coisa que vocês precisam saber sobre mim: eu finjo SEMPRE que eu to bem. SEMPRE. Tem que me conhecer muito pra saber que eu não to bem, e até hoje as únicas pessoas que obtiveram sucesso nisso foi minha mãe e minha irmã... e uns 2 amigos.

Quando eu consegui abrir a boca pra falar alguma coisa entre as minhas lágrimas, disse que iria dormir em casa aquela noite, chorar o que tinha pra chorar, gritar o que tinha pra gritar e que no dia seguinte voltaria mais calma e que nunca mais choraria por causa desse câncer. Dito e feito, saí de lá em estado de dormência e vim pra casa. O engraçado foi que quando cheguei, sentei no chão da sala, de frente pra janela e fiquei pensando. Enquanto eu pensava, a luz dos raios anunciando a chuva iluminava minha sala. Parecia que os raios acompanhavam meus pensamentos, eram muitos.

Com o celular do lado, comecei a receber milhares de ligações, e não quis atender nenhuma, só minha irmã. Ela perguntou como eu estava e disse que iríamos lutar juntas, que precisávamos dar apoio á minha mãe. Ela estava calma, me passou essa calma, era o que eu precisava. Minha irmã tem esse efeito em mim... ás vezes a única pessoa que consegue conversar comigo é ela.Chamei 2 amigos para virem ficar comigo até eu dormir, e no dia seguinte cedinho fui para o hospital com a armadura e a espada.
Pensando comigo mesma agora, talvez tenha começado a escrever esse blog muito tarde... até o próximo post.