terça-feira, 27 de março de 2012

A Palavra com "C"

Agora tudo é isso: câncer. Não consigo mais sair com alguém sem me perguntarem, não fico mais em casa sem ouvir a respeito, mal vejo tv sem ver alguém com câncer aparecendo.
Isso me deixa ligeiramente maluca. Previsões para o futuro, providências a serem tomadas para "o que virá". Já basta ter que lidar com a doença no presente, ainda preciso pensar no futuro? Nem consigo pensar em amanhã direito!
Quando eu comecei meu curso de jornalismo, no qual eu ainda era novata, senti um alívio imediato em entrar na sala de aula sem ninguém me conhecer. Ninguém sabia da minha mãe, ninguém me tratava com dó e muito menos com carinho excessivo. Não que isso me incomode (me tratarem com dó me irrita muito), mas têm pessoas que realmente me tratam como se eu fosse retardada e não conseguisse fazer nada. Outra coisa deliciosa é que eu não precisava ouvir a MALDITA palavra que mal consigo pronunciar até quando me perguntam meu signo (que por ironia é câncer).
Eu sinto como se tudo estivesse indo muito rápido e eu não consigo acompanhar. Parece que eu sou a pessoa mais perturbada e assustada com tudo isso, porque todos estão levando a vida com naturalidade. Parece que só eu me pergunto "QUE PORRA É ESSA QUE TÁ ACONTECENDO?". (desculpem pelo palavrão, mas o sentimento é bem esse). Eu entendo que minha família quer garantir meu futuro e o da minha irmã, mas prefiro que façam isso longe de mim. Não quero pensar no futuro e preciso que respeitem isso.
Hoje mesmo, pedi que minha mãe fosse menos explícita quando falasse o que pensa sobre o futuro. Eu já sei como provavelmente vai ser, mas não consigo nem dizer em voz alta, muito menos ouvir constantemente planos para um futuro no qual minha mãe não está.
Muita gente me fala que isso só vai me fazer mais forte, etc, mas não há um dia que passa que eu não me pergunte se vale mesmo a pena. Tá, eu vou ficar forte, mas eai? Então só porque eu fiquei forte tudo isso vai desaparecer da minha cabeça como se eu tivesse encontrado um agente do MIB homens de preto? NÃO!
Que bacana que eu vou ficar forte, mas eu juro que ás vezes eu queria só por 1 segundinho ser uma daquelas babacas fúteis que não tem preocupação ou perspectiva alguma sobre a vida, só 1 segundo... ou 1 minuto... ou 1 hora.
Me surpreende como existem pessoas que conseguem levar tudo isso com leveza. Não é leve.
Existe uma série que sempre passa na HBO, chama The Big C. A história fala sobre uma mulher com câncer praticamente terminal e mostra o dia-a-dia dela, mas com um tom engraçado. O pior de tudo é que realmente é uma série engraçada, apesar do tema mórbido, e eu passei a entender mais ainda agora. Provavelmente é o programa que tem alguma coisa relacionada com câncer, mais real que eu já vi. Mostra a dor, muita dor, mas também mostra coisas engraçadas, mostra que a vida continua. Mostra que tudo é sim muito rápido, e que não tem problema ficar um pouco de fora esperando o vagão passar.
Cá estou eu, sentada no chão, olhando o trem passar.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Você em Nós

Outro dia sentei para conversar com a minha mãe e perguntar como ela estava lidando com todo esse turbilhão de novidades e previsões. Ela usou uma frase que teve muito impacto pra mim. "Eu daria tudo para ver vocês crescerem, tudo. Queria estar com vocês para abraçar, beijar. Não sei se fui a melhor mãe..".
Atrás de várias lágrimas, vi uma mãe com medo. Vi o principal medo da minha mãe diante de toda essa doença: deixar eu e minha irmã.
Devo admitir que não foi nem um pouco fácil ouvir o que eu ouvi, e que precisei me controlar muito para não chorar, a ponto de prender tanto o choro que minha garganta começou a fechar.
Fiquei com esse post na minha cabeça ontem durante 4 horas. Rolei e rolei na cama, sentindo uma necessidade de escrever coisas aqui especialmente para minha mãe.
Queria falar que ela foi E É a melhor mãe que uma pessoa pode ter. Que a voz da minha consciência é a dela, que o rosto que eu vejo quando estou com medo, é o dela.
Queria falar que me lembro de todos, TODOS os eventos que minha mãe foi torcer por mim e me apoiar. Me lembro de apresentar "Aquarela do Brasil" no jardim 3 e de ver o rosto dela na multidão, sorrindo para mim.
Me lembro do Dia das Mães na minha escolinha, que eu fiquei tão empolgada para mostrar para todo mundo minha mãe, tão feliz dela ir lá e me ajudar á fazer o molde da minha mão de argila, que seria um presente para ela.
Ela foi á todos os meus jogos de handebol, futebol, basquete.
Ela que sempre me demonstrou a felicidade mais pura em me ver feliz, ver meu sucesso, sem pedir nada em troca.
Me ensinou á ser neurótica com assaltos, e apesar disso me irritar, sempre ouvia a voz dela "na dúvida não ultrapasse!".
Foi uma peça fundamental na minha infância invejável, deixou eu ser quem eu quisesse e sempre me defendeu.
Me deu um abraço quando eu precisava, uma palavra de carinho ou apenas um olhar. Pegou na minha mão quando precisava de amor mas também me deu bronca quando preciso.
A grande maioria das lembranças que eu tenho, de toda a minha vida, ela esta lá.
Nas fotos, ela é as pernas no cantinho, as mãos me ajudando a andar.
Ela é minha essência, minha alma.
Minha mãe em algumas situações, me disse que eu sou "de ouro". Em outras, ela diz "você e sua irmã são a melhor parte de mim". Exatamente. Só somos "de ouro" porque somos a melhor parte de VOCÊ.
Claro, alguns dos defeitos dela também viraram nossos, mas quando se minera ouro em uma peneira com todas aquelas outras pedras, algumas pequenininhas vão cair, mas sempre vão sobrar as pedras maiores lá junto com o ouro, que não passaram na peneira.
Então peço, mãe, toda vez que você ficar com medo de não estar aqui com a gente, só pare e nos olhe. Você, querendo ou não, sempre vai continuar aqui enquanto nós estivermos. Sempre vai ser a voz nas nossas cabeças, a mão nos segurando firme. Sempre. As pessoas nos olham e vêem você! Você lapidou a gente.
Toda vez que você se perguntar se 'foi uma boa mãe', novamente olhe para nós, olhe o que você fez, os valores ensinados, nossa educação. Olhe a quantidade de coisas que eu e a Sté lembramos, quantas memórias envolvem você, memórias desde tínhamos 4 anos, desde que conseguíamos pensar! Isso não é mera coincidência.
NUNCA teremos essa doença como referência do que você é, da sua imagem. Temos tantas lembranças e momentos lindos com você, que essa doença vira uma gota em um oceano.
O que diferencia você dos outros é que um dia, (assim como todos nós morreremos), de super-heroína, você vai virar um super-anjo.

eu te amo com toda a força e sinceridade que alguém pode ter.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Meio-cheio ou meio-vazio?

Percebi que fazia um bom tempo que não postava nada aqui, não tive inspiração até hoje. Comecei o dia bem, fui fazer a prova teórica para tirar minha carteira de motorista e fiz o exame mais ridículo da minha vida. Fui bem e quando saí de lá estava empolgada para contar para a minha mãe sobre o resultado.
Como aparentemente é difícil eu conseguir aproveitar algo na minha vida por mais de 5 minutos, cheguei em casa e recebi uma notícia que quebrou mais um pedaço de mim e destruiu toda e qualquer empolgação.
O status atual do câncer da minha mãe é: câncer no fígado com metástase no pulmão e em 2 vértebras da coluna vertebral.
Como se isso não fosse o suficiente, hoje tive a notícia de que existe uma probabilidade da minha mãe perder o movimento das pernas. O tumor na coluna está pressionando a vértebra L4.
Sinceramente, eu não sei o que sentir. Acho que chega uma hora onde o cansaço fisico e acima de tudo mental e emocional, começa á nos enlouquecer. Há um ano atrás eu tinha o essencial, e agora sinto que estou perdendo tudo.
Minha mãe toma doses cavalares de morfina para a dor que ela sente na perna (reflexo da pressão na vértebra) e nem isso adianta, já assisti ela chorando de dor várias vezes, apesar de sempre se controlar.
Sinto como se a doença fosse uma tortura. Como se fossêmos obrigadas a sentar e assistir minha mãe se esfarelar. Cada ida ao médico, cada tomografia, cada exame é uma ansiedade nova, uma noite mal dormida. Já vi muita coisa de um ano para cá, coisas que achei que não conseguiria mas consegui, mas ainda ter que assistir isso? Com qual estabilidade emocional é para eu sair dessa doença, conseguir viver minha vida?
Durante esse período ruim, juro que me esforcei para encontrar levezas na nossa situação. Acho engraçado o jeito que minha mãe faz piada com a doença de vez em quando, me pego em situações onde, por ter uma mãe com câncer não sei o que fazer.
Outro dia mesmo, fui até a farmácia e minha mãe me ligou dizendo que precisava de shampoo. Quando parei em frente á prateleira, comecei a rir.
Como e qual shampoo eu compro para uma pessoa sem cabelo? "Para cabelos ressecados", "para pontas duplas", "hidratação intensa". Diante dessa dúvida, resolvi simplesmente pegar o mais cheiroso, mas achei muito engraçada a situação.
Minha mãe é uma pessoa que consegue muitas vezes trazer leveza para tudo isso. Ela transforma uma tonelada em uma grama em questão de segundos. Tiro forças não sei de onde ao ver o jeito que ela lida com tudo, não consigo expressar.
Tirei a idéia de começar a escrever esse blog porque ela também tem um. É incrível o humor que ela usa para falar de um assunto tão delicado. Inclusive é tão incrível que até o Reynaldo Gianecchini  já leu o blog dela e disse que adora, acha admirável o fato dela se abrir, ser bem-humorada diante da doença. Como uma pessoa que é tão admirada tem que passar por tudo isso? Por tanta dor? É algo além da minha compreensão e que me gera uma certa ira. Ira porque coisas tão horríveis acontecem com uma pessoa tão iluminada, ira porque o mundo e a vida são injustos, ira porque existem traficantes na favela que moram em mansões no bem-bom enquanto há pessoas com cãncer que dormem em baixo de pontes para poder pagar o próprio tratamento.
Não sei como a Bíblia fala em fé, em otimismo quando há TANTOS motivos para jogar tudo para o alto, quando simplesmente a vida é uma maratona de dor, uma após a outra. Realmente precisa ser forte para ser otimista diante de um buraco negro, mas há pessoas que conseguem, como a minha mãe. Ao invés de pensar em tudo de ruim que lhe acontece, ela foca em tudo de ruim que PODERIA ACONTECER com ela e que não acontece. Ela fica brava porque eu e minha irmã ficamos nos perguntando 'somos gratas ao que?', mas para um jovem é muito duro e pouca vivência para ter tanta fé assim, para conseguir entender sem se revoltar. Admito, fico muito feliz que ela consiga ser assim, muito mesmo.
Claro, sou grata porque sei que a situação podia sim ser pior, mas até gratidão tem limite. Acho que nessas horas, a frustração e raiva de não poder fazer nada meio que nos cega.
Espero que eventualmente eu consiga ver o copo meio cheio ao invés de meio vazio.

sexta-feira, 9 de março de 2012

A Realidade Se Tornando Visível

É difícil sentar e assistir a pessoa que você mais ama o mundo chorando enquanto fala que não se sente mais ela mesma. Ver ela deixando de fazer a unha pela primeira vez na vida (a mão da minha mãe sempre foi uma coisa muito marcante pra mim, sempre com as unhas vemelhas) porque a unha está fraca e ela tem medo de pegar uma infecção por qualquer corte bobinho. É triste ver essa pessoa falando em um momento de sensibilidade que não quer ficar igual a avó, que também teve câncer, como se fosse um desabafo de uma criança que assistiu a dor da avó com medo.
Na noite que eu fiquei sabendo que minha mãe tinha câncer eu vim pra casa e sentei na frente do computador. Entrei no Google e comecei a procurar sobre o câncer dela, acho que desesperadamente tentando encontrar uma resposta, uma justificativa (porque afinal eu achava que tudo tinha controle) para aquilo, mas não encontrei. O colangiocarcinoma ainda não teve uma definição, é muito raro, essa é a única explicação que eu ouvi e li várias e várias vezes.  
A parte mais difícil é sentar, assistir e não poder fazer NADA. Claro, eu faço o possível e o impossível para tornar certas situações menos dolorosas possíveis, mas tem vezes que não dá. Tem vezes que eu só posso sentar e ouvir minha mãe desabafando, chorando. Não dá pra fugir. Cada tosse é um lembrete, cada 'ai' de dor.
Lembro como se fosse ontem da primeira vez que a doença se tornou real para mim. Ela já tinha começado a quimioterapia mas não havia apresentado nenhum dos sintomas. Em uma manhã de sábado, entrei no quarto dela para dar bom dia (como sempre faço) e me deparei com a minha mãe ajoelhada no chão, vomitando na privada do banheiro e chorando. Ela sempre odiou vomitar, sente aflição, e acho que o fato daquilo poder virar constante era assustador pra ela.

Escrevendo isso aqui faz eu ficar com lágrimas nos olhos, porque acho que nunca senti uma impotência maior na minha vida, uma dor que beirou á dor física. A doença tinha se tornado palpável, visível aos olhos. Por alguns segundos fiquei paralisada, sem saber o que fazer, como reagir. Quando a situação assentou no meu cérebro, fui ajudá-la. Tentei deixar o mais claro possível que era o remédio fazendo aquilo, não a doença, foi o único consolo que consegui.
Depois de alguns meses, minha avó veio morar com a gente por problemas de saúde. Ela nunca lidou muito bem com a doença da minha mãe, sempre se segurou muito á respeito disso, tentando manter a compostura. Eu vi a minha avó chorar duas vezes durante essa doença, uma de felicidade e uma de tristeza. A vez em que ela chorou de felicidade foi quando o médico veio nos contar que não havia sinal de câncer nos outros órgãos. A de tristeza foi porque ela, sem querer, entrou no quarto da minha mãe e viu a mesma cena que eu havia visto que tanto me assustou.
Eu estava junto com a minha mãe e ouvi a porta abrir, vi minha avó com uma expressão que nunca vou esquecer, assustada. Depois de quase sussurrar um ‘desculpa’, ela saiu do quarto. Quando terminei de ajudar minha mãe, fui até a sala e encontrei minha avó de braços cruzados olhando a vista, do mesmo jeito que eu fiquei quando fiquei sabendo de tudo.

Eu sabia a dor que ela estava sentindo. Eu já senti aquilo, mas acho que para uma mãe deve ser a dor multiplicada por 1000. Acho que foi a  primeira vez na minha vida que vi minha avó perder a compostura, desarmada, com medo. Conversei com ela e disse que ela podia conversar comigo á qualquer hora, que tínhamos que dar força para a minha mãe, apesar da situação ser assustadora. Deixei claro novamente que o que fazia minha mãe passar mal era o remédio e não a doença.  Ela ficou com vergonha porque havia desabado perto de mim, percebi isso. Ela sempre era muito controlada. (e linda)

Tal avó, tal mãe, tal filha. Nas qualidades e nos defeitos. (apesar dos defeitos não serem muito saudáveis)

PS: Peço desculpas á todos porque ainda não consegui falar da morte da minha avó durante esse ano, ainda é um assunto muito sensível para mim. Prometo que vou chegar lá! Um cadeado de cada vez!

quarta-feira, 7 de março de 2012

Perdendo o Controle

Já deixei bem claro aqui que o câncer é uma montanha russa. Um dia está tudo bem, minha mãe está se sentindo ótima e é tudo um alívio, no outro ela mal consegue sair da cama, ver ela passar mal ou com dor é a pior agonia do mundo, é um sentimento de impotência. A doença corta qualquer barato a qualquer hora, ela não escolhe o lugar, o momento. Não interessa se sua noite foi sensacional, se você riu e se divertiu ao extremo, no fim você chega em casa e leva um soco na boca do estômago, e você só tem que aceitar que levou o soco e que estava despreparada.
Um traço muito forte da minha personalidade é que eu não gosto de perder o controle. Não gosto, simples. Inconscientemente eu acho que consigo controlar o que as pessoas pensam, o que elas vão fazer, o que é o 'certo' e o que é o 'errado'. Me deixo levar por esse constante medo de fazer algo errado, de dar desgosto para a minha mãe (porque sei que ela não merece). É muita besteira pensar isso, e ela também acha ridículo porque em momento algum ela me pediu isso, ela me pediu que eu fosse feliz.
Analisando agora acho que foi isso que me levou á esse desespero constante. Eu sempre achei que tinha controle sobre tudo mas então eu me deparo com esse lado que eu não consigo controlar: a doença, a morte. Não lido bem com morte, eu não sei o que é, não consigo compreender esse conceito de que um dia a pessoa está aqui e no outro não está. Ainda sofro muito com todas as mortes de pessoas próximas á mim, meu avô há 9 anos, minha cachorra á quase 1 ano e mais recentemente, a da minha avó.
Chocantemente eu tenho muito medo de tudo que está fora do meu controle. Tenho medo de mar, onde não conseguimos controlar o que ele vai fazer, se uma onda gigante vai se fomar e te levar pra longe. O escuro, onde não conseguimos ver o que está á nossa volta, não temos como, não sabemos se vamos esbarrar na cama, não podemos prever. Tenho muito medo também de assaltos, que nos pegam de surpresa sempre e é uma situação que nao está nas suas mãos, está nas mãos do assaltante. Meu último medo são raios. Odeio o barulho, o susto, não saber que horas ele vai cair, quando ele vai cair.
Eu odeio não estar preparada. Agora eu lhe pergunto: aonde eu me seguro, nesse momento tão crucial da minha vida que o chão parece estar despedaçando? Sei que tenho meus amigos, minha família. Mas a primeira mão que eu segurei nesse mundo, na cama de um hospital, foi a da minha mãe. A mão que me dá a certeza de que eu não vou cair é e sempre foi a dela.
Agora um medo maior surgiu, não o medo da doença, mas o medo de perder minha melhor amiga. Ás vezes é difícil admitir pra mim mesma que eventualmente isso vai acontecer, mas nao é assim com todos nós? Uma hora todo mundo morre. Não sei se eu vou atravessar a rua amanhã e ser atropelada. Isso é o 'perder o controle' e acho que é por isso que eu não lido bem com morte ou com a doença da minha mãe. Eu não sei perder o controle.
Outro dia fiquei sabendo de uma história curiosa. Provavelmente todos já ouviram falar em Jó (escravos de Jó, paciência de Jó). Pois é, o Jó era alguém! Na verdade ele era um dos discípulos. O Jó era o cara que sempre fazia tudo certo. Ele não se divertia, era correto, íntegro. Ele era o cara que limpava a casa depois das festas, o cara que não fazia nada por vontade própria, ele fazia porque era o 'certo'. Um belo dia uma coisa muito ruim aconteceu na vida do Jó e ele foi tirar satisfação com Deus. "Eu faço tudo certo, me desvio do mal e o Senhor me manda isso?". Era isso que Jó esperava, um tipo de recompensa. "Mas eu não quero que você faça o correto, quero que você faça o que lhe faz feliz", disse Deus.
A grande moral da história é que eu sou o Jó em pessoa. O que mais me assustou é que eu fui pesquisar sobre o Jó e fiquei sabendo que ele morreu com ÚLCERAS MALIGNAS. Já disse em um post anterior: tive 3 úlceras ano passado. Claro, naquela época não existia Omeprazol, mas enfim.
A conclusão é que algumas vezes na vida vamos perder o controle. Conforme vamos crescendo somos obrigados a lidar com coisas que muitas vezes não vamos entender, não vamos conseguir controlar, não conseguimos fugir. Achar que eu consigo controlar tudo só vai me deixar mais frustrada quando eu me deparar com coisas incontroláveis.
Estou aprendendo agora o que é finalmente perder o controle. Estou aprendendo que eu preciso viver a MINHA vida, não posso enlouquecer por causa dessa doença, preciso começar a aprender a cuidar de mim mesma, a ser feliz POR MIM, fazendo o que EU quero. Preciso parar de viver em função do câncer. De vez em quando preciso sair, preciso dançar, enfim, preciso perder o controle.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Laços de Força

Na semana passada tivemos uma grande perda, um ícone da moda e do comércio brasileiro se foi: Eliana Tranchesi. Quando soube da notícia não achei que iria ficar do jeito que fiquei.
Senti como se uma amiga tivesse morrido. Acompanhei a luta de Eliana contra o câncer assim como todos vocês pela mídia e sempre tive admiração por ela, mesmo antes de descobrirmos o câncer da minha mãe.
Estudei com a filha menor dela no pré, Marcella e sei o quanto ela sofreu com a descoberta, não imagino a dor dela nesse momento.
Fiquei sabendo da partida desse mito pelo site da Globo, já que sou leitora assídua. Fiquei chocada e enojada em ver como o povo brasileiro lidou com tudo isso. Lendo alguns comentários percebi o quão sujo o ser humano pode ser.
Pessoas julgando brutalmente por uma coisa que TODOS FAZEM. Nunca vi tamanha falta de respeito, fiquei envergonhada de ser brasileira.
Lendo os comentários, passei a concordar com o que li em um blog de um amigo: é feio ser rico no Brasil. Todo mundo nesse país vai ter uma inveja inconsciente ou consciente de você. Todos vão querer apontar o dedo na sua cara por algo que o país inteiro faz única e exclusivamente pelo dinheiro que você possui no banco.  Ninguém vai ligar se você tem família, se tem filhos, se lutou bravamente contra um câncer durante anos mantendo um império em pé. No fim sempre vão pescar tudo o que você fez de errado em um mar de coisas boas e corretas.
Quero dedicar esse post á todos que passam pela a mesma situação que eu. Que possuem um pai ou uma mãe, um irmão ou uma avó com câncer, ou um amigo. Também queria dizer que é uma HONRA receber tantos comentários e desabafos pessoais, torna esse desafio que é escrever nesse blog tudo o que eu sinto, mais fácil, é uma recompensa. Fico emocionada e nunca esperava isso.
Queria agradecer por compartilharem a luta de vocês, comigo. Todos somos uma família sofrendo pelo mesmo problema, sentindo as mesmas coisas. Somos todos ligados por essa doença, mas estamos de mãos dadas diante dela, não podemos esquecer. Quero tornar público meu apoio, e pedir encarecidamente que se precisarem de algo, estou aqui, quero ajuda do mínimo jeito que consigo. Todos somos guerreiros,  guerreiros com cicatrizes de guerra das quais no futuro poderemos nos gabar.
Se vocês são jovens, não se sintam obrigados a viver a juventude, á sair todos os dias e viajar. Vocês não são obrigados á fazer o que não quiserem. Façam o que for conforável para vocês, pro coração de vocês. Se quiserem ficar em casa mimando esses guerreiros que lutam contra essa doença, façam isso, eles merecem e vocês também.
Não se obriguem e nem exijam muito de si mesmos, aprendi que o mundo fica bem mais leve quando se tem alguém para dividir o peso.
Nunca percam a força, se precisarem de um momento para se recompor, tomem esse momento. Sofram se sentirem necessidade, gritem, chorem. Amem cada segundo possível, façam boas lembranças, lembranças que no futuro farão com que essa doença seja meramente um detalhe, uma lombada na estrada.

Sinto orgulho de todos, estamos nessa luta juntos.

Destrancando a Porta

Eu sempre fui uma pessoa muito fechada, muito mesmo. Eu não falo muito sobre o que eu sinto e pouquíssimas pessoas já me viram chorar. Não sei se foi por criação ou por consequência de tudo o que aconteceu, mas sempre achei que precisava ser forte em qualquer situação, e que 'ser forte' significava não chorar e sempre falar que 'está tudo bem'. Tenho tatuado nas minhas costas a frase 'C'e una forza in nói', ou seja 'há uma força em nós'. Fiz a tatuagem 5 anos depois da morte do meu avô. Minha justificativa para explicar o porquê dessa frase sempre foi que 'eu consegui superar a morte da pessoa que eu mais amava no mundo com 11 anos, você só sabe a força que tem quando ser forte é a única opção'. Mal sabia eu que teria que ser bem mais forte que aquilo.
Me vejo como uma porta trancada com cadeados. Em momentos como a descoberta do câncer da minha mãe, fico sensível, sem chão, desarmada, fazendo com que uma fresta da porta se abra.
Quando a tal fresta se abre, QUALQUER coisa que seja dita vai ser absorvida e depois trancafiada de novo, vai ser um eco constante na minha cabeça.
Quando descobrimos o câncer, naturalmente fiquei sem chão. Todos tentavam me consolar, mas infelizmente o conceito de 'ser forte' pras pessoas da minha família é o mesmo que o meu, então não ajudou muito.
 Minha mãe tinha acabado de sair do procedimento cirúrgico no qual os médicos iriam analisar se mais algum órgão possuía indícios de câncer. Enquanto eu esperava, fui comer no andar de baixo. Quando fiquei sabendo que ela estava indo para o quarto, larguei tudo e subi. Meu pai estava comigo no elevador e disse uma frase que me assombrou por muito tempo "arma o teatro, filhinha".
Não culpo ele por ter dito aquilo, era o que ele podia me dar no momento, cá entre nós é muito difícil consolar alguém em uma siuação tão inconsolável, você acaba falando a primeira besteira que passa na sua cabeça. Infelizmente posso afirmar com toda a certeza que parte desse meu desequilíbro atual é porque eu segui piamente o conselho não só naquela época, mas até agora.
Como eu disse no post anterior, sabemos o quão mal isso me fez.
Outra coisa que carreguei comigo foi uma frase que minha mãe me disse no dia seguinte da descoberta do tumor. Entrei no quarto, sentei na cama e dei um sorriso, ela me perguntou como eu havia dormido e menti falando que havia dormido bem. Ela então pegou minha mão e disse "A única coisa que eu não vou conseguir lidar é se você e sua irmã desabarem, o resto eu lido com tudo".
Por 1 ano e 2 meses levei essas duas frases como lemas.
Diversas vezes durante esse tempo ouvi pessoas sugerindo que eu fizesse terapia. Não me levem a mal, mas nunca acreditei nos métodos de um terapeuta. Sempre pensei que para me aconselhar, a pessoa tem que ter passado pelo que eu passei, senão, não teria como me ajudar. Sem contar que eu não conto da minha vida nem para as minhas amigas direito, imagina contar para uma mulher que eu nem nunca vi na vida.
Adiava e adiava a tal terapia, até que houve um momento de sensibilidade no qual resolvi pedir ajuda. A grande realidade é que tinha medo de ser julgada, rotulada de 'louca' ou 'errada', sempre tive medo de fazer coisas erradas ou agir de forma errada diante de uma situação. Joguei a toalha (pelo menos era como eu via) e admiti que não consigo sozinha, me senti fracassando, mas era a realidade, tentei não pensar muito naquilo e simplismente ir.
Na primeira sessão, minha terapeuta Patrícia me disse 'não é só você, em uma situação dessas NINGUÉM consegue sozinho'. Passei então a entender que não há como vivenciar uma coisa dessas sem pedir ajuda, sem conversar, com o copo sempre transbordando. Eu não sou louca, nem sou a primeira pessoa que passa por isso. Quem passa por isso sabe o desafio diário e sabe o quão difícil é ainda por cima ter que se preocupar com a própria saúde mental.
Comecei a olhar a terapia da seguinte forma: durante a semana o meu copo vai se enchendo, quando vou na terapia o copo esvazia. A terapia torna as coisas mais suportáveis, não me deixa tão no limite o tempo todo.
O engraçado é que só quando fui na terapia a tal porta resolveu se abrir de novo, só lá eu consegui abrir mão dessas suas frases que me 'carregaram' (mas mais me afundaram) por tanto tempo. Chega a ser até ridículo porque saio de lá em um nível absurdo de sensibilidade, á ponto de começar a chorar no elevador!
Com a minha porta se abrindo, comecei a olhar as coisas de outra forma, comecei a considerar pensar em mim um pouco. Me ajudou a ver um meio termo entre o 'certo' e o 'errado'.
Na terapia, fui aprendendo que o meu conceito do que é 'ser forte' é um pouco fantasioso. Hoje eu vejo que esse conceito pode levar alguém a loucura.
Acho que agora minha tatuagem tem um significado novo pra mim. Agora vejo que ter força é aceitar sua fraqueza. Sua força vai sair da sua fraqueza. É aquela meeesma história de que 'pra ficar bem você precisa ficar mal'. Ser forte é ser humilde o suficiente de admitir que você não está bem e que precisa de ajuda, é tirar um aprendizado de tudo que acontece.
De pouco em pouco espero conseguir diminuir o número de cadeados na minha porta e conseguir deixar meu lado humano se destacar mais do que meu lado robótico de 'certo ou errado'