terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O cabelo

O que qualquer pessoa pensa quando vê uma mulher careca na rua? 'Ela tem câncer'.
Ja é da nossa natureza pensar isso, carecas remetem á câncer.
Desde o começo do tratamento, tudo o que a gente ouvia sempre que uma nova quimio começava era 'o cabelo não vai cair por completo, mas vai rarear'. Sinceramente, tanto eu quanto minha irmã sabíamos que podia chegar o momento em que minha mãe fosse ficar careca, afinal, se tratando de câncer você não pode duvidar de nada.
A grande vaidade da maioria das mulheres do mundo é o cabelo. Ele transmite a feminilidade, ele faz a mulher ficar bonita, sensual e afinal, é uma coisa que todo mundo vai ver porque está na sua cabeça.
Desde que me conheço por gente assistia minha mãe acordar, tomar banho e, ainda de toalha, pegar o secador, a escova redonda e começas a arrumar seu cabelo. Isso era uma tradição quase. Tão tradição que depois que eu descobri essa benção que é o secador, passei a também fazer esse ritual diário, igual á minha mãe.
Eu sou armênia e cresci no meio de uma família na qual todas as mulheres viviam com os cabelos e a aparência impecáveis para agradarem seus maridos e á si mesmas. Não deixavam UM FIO branco aparecer que já estava na hora de tingir de novo. Minha avó mesma, mãe da minha mãe, fazia o tal 'ritual' todos os dias, mas ainda completava com o laquê. Enfim, cabelo sempre foi importante para nós.
No terceiro tratamento (existem 6 para o tipo de câncer da minha mâe) o cabelo dela começou a cair. Mas não é que caía pouco cabelo, caía muito.
Eu e a Sté até tentávamos esconder um pouco fingindo que íamos abraçar ela para que pudéssemos tirar os cabelos da blusa dela ou do travesseiro, mas ela acabava percebendo.
Não foi fácil. Era como assistir minha mãe se esvaindo diante dos nossos olhos, como se a cada fio de cabelo que caía, uma parte da minha mãe também ia junto.
A pior parte de tudo isso era ver a tristeza nos olhos da minha mãe toda vez que ela olhava para o chão e via aquele mar de fios de cabelo. Isso pra mim era a morte.
Muitas vezes ela pedia para eu recolher porque ela não conseguia.
Depois de perceber que seu cabelo estava caindo, minha mãe passou a cortar o cabelo mais e mais curto, na esperança de que a queda diminuísse. Não foi o caso.
A queda chegou em um ponto tão absurdo que ela passou a usar um lenço, mesmo sem estar careca, para evitar que os fios caíssem no chão.
Um dia quando estava chegando em casa do trabalho, me deparei com ela sentada na poltrona retirando os bolos de cabelo de sua blusa.
Sentei na frente dela e falei da possibilidade dela raspar. Eu não era a favor no começo do tratamento única e exclusivamente por egoísmo meu, por medo de como eu me sentiria, por medo de não conseguir mais esconder meu medo de perder minha mãe na frente dela. Outra coisa sobre o câncer: sua cabeça muda de 5 em 5 minutos á respeito da doença.
Você só sabe sua reação depois que a coisa acontece, e nunca é o que se passa na sua cabeça. Raspar era o melhor pra minha mãe, dane-se eu, eu teria que me acostumar e dar força pra ela.
Enfim, conversamos e pedi que ela pensasse. Claro, usei os argumentos de que a Demi Moore já tinha raspado, a Natalie Portman, a Carolina Dieckman em Laços de Família! Aquela novela que TODO MUNDO usa de referência na hora de pensar em 'como deve ser raspar o cabelo por causa de câncer'.
Dei tempo para ela pensar e no fim ela acabou concordando. Não imagino o quão difícil foi essa decisão. No dia em que ela decidiu, fui ao shopping com uma amiga e comprei o lenço mais bonito que achei, de seda, com várias rosas vermelhas estampadas (minha mãe ama rosas). Cheguei em casa e a presenteei com o lenço, afinal, ela precisaria de um para estreiar a careca nova.
Em uma quarta-feira, ela foi á um salão conhecido e raspou. Infelizmente não pude ir porque estava trabalhando e cheguei tarde demais.
Enquanto minha mãe estava raspando, conversava com a minha irmã e minha prima, que estavam junto, por mensagens no celular para saber como ela estava reagindo. Tudo estava correndo bem, e assim que saí do trabalho corri para casa.
No elevador já pedi para mim mesma 'se controla, não fica chocada, não demonstra'. Assim que abri a porta de casa me deparei com aminha mãe sentada na poltrona, LINDA.
Eu achei que eu ia ficar chocada, triste, mas acho que foi um dos melhores sentimentos que eu já senti na minha vida, era como ver minha mãe levantando de novo, pronta para lutar mais. Ela estava sentada e quando me viu abriu um sorriso imenso.
Estava toda maquiada, com os olhos pintados do jeito que ela sempre faz e com um lenço na cabeça.
Senti alívio. Fiquei tão feliz por ela não estar triste, esse era meu maior medo.
Ela me deu um beijo, e mostrou a carequinha. Ela estava mesmo linda, não estou falando isso por ela ser minha mãe.
Acho que ela sentiu alívio em ver que nem eu, nem minha prima, nem minha irmã ficamos chocadas, as 3 amaram! No dia seguinte, eu e minha irmã compramos uns 30 lenços e demos para a minha mãe, ela amou!
Não vou mentir, as pessoas olham. Alguns olham assustados, outros olham com admiração. Tenho vontade de mandar tomar naquele lugar todo mundo que olha assustado, e na maioria das vezes não consigo me segurar e acabou soltando um 'OI, TUDO BOM????' bem grosseiro com aquela cara de 'QUER TIRAR UMA FOTO? DURA MAIS TEMPO'. O mundo de hoje já devia estar acostumado. É uma coisa que está presente no dia-a-dia. O câncer está cada vez mais presente e parte da gente fazer com que esses guerreiros se sintam á vontade e orgulhosos de expor suas carequinhas por aí.



Minha mãe já era linda ao meu ver, mas ficou mais ainda por ter tido a coragem de raspar o cabelo e de mostrar sua luta sem vergonha nenhuma enquanto desfila sua careca nova coberta por lenços das mais diversas cores e estampas. Razão número 9383749404027 para eu ter orgulho de chamá-la de 'mãe'.

3 comentários:

  1. Jéssica, que grande iniciativa essa. Me arrependo de não ter feito o mesmo quando passei pelo o que você está passando... No meu caso, infelizmente, minha mãe não resistiu e eu, involuntariamente apaguei toda e qualquer memória que eu tinha dessa época. Não será o caso da sua mãe! Estou torcendo por vocês! Apesar de nunca termos nos falado muito, eu passei por essa grande MERDA que é o câncer ao lado da minha mãe e quero que você saiba que aqui vão os meus votos de melhoras e vitalidade!
    Beijos

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  2. Jessi 3 p, por curiosidade cliquei no link e descobri esses vários textos sinceros e maravilhosos! Que coragem que voce teve de se abrir assim, gostei muito e serve de exemplo! Infelizmente eu sei pelo que você está passando e só o que eu posso te falar é que você tem que ser forte e apoiar quem você mais ama! É frustrante ser tão impotente perante algo que acaba tanto com as pessoas, por isso o máximo que puder fazer, faça!
    Estou aqui qualquer coisa, desejo que sua mãe melhore, se cure e volte a ser uma pessoa cheia de vida e disposição, não perca nunca a fé!
    Vou acompanhar sempre os seus textos a partir de agora!
    Beijos,
    Pipa

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