domingo, 26 de fevereiro de 2012

Aprendendo a Errar

Sempre quis aprender a cozinhar. Conforme fui crescendo e vendo o quão difícil e arriscado aquilo tudo era, passei a perder o interesse. O ato de cozinhar pode ser uma delícia, mas você corre o risco de ter um trabalho imenso para fazer um bolo e no final ele sair queimado.
Eu não sei errar. As poucas vezes que eu cozinhei, sempre deu errado e eu acabava frustradíssima por não ter conseguido fazer coisas básicas que todos conseguiam. Não dá, minha relação com o fogão é horrível. Eu sou aquela pessoa que coloca plástico no microondas, já coloquei mel por 5 minutos para fazer a cobertura de um bolo surpresa para minha mãe e acabei queimando a mão da minha irmã. Eu não sei as regras da cozinha, só sei que morro de medo de explodir minha casa, queimar alguém, fazer tudo pegar fogo.
Por algum mistério da vida, a única coisa que eu sei fazer é bolinho de arroz, que modéstia á parte, sempre sai maravilhoso, mas isso só aconteceu depois de muitas tentativas inspiradíssimas. Coitada, me vangloriava tanto por saber fazer, achando que estava fazendo um banquete.
Crescendo em uma família armênia, todo mundo sabia cozinhar. É praticamente lei no Oriente Médio uma mulher ter que saber cozinhar para cuidar da família e do marido. Minha bisavó tinha diversas receita de própria autoria que passou para seus netos, incluindo minha mãe, que guarda até hoje um livro com receitas de vários membros de várias gerações da família.
A mesma, de vez em quando acorda possuída e vai pra cozinha. Nesses dias ela faz comida pra pelo menos, 1 mês, é sensacional. Ela coloca uma música e acaba ficando lá por horas.
No ano da descoberta do câncer (2011) em especial, a vontade e urgência da minha mãe em que eu e minha irmã aprendessemos a cozinhar aumentou muito. Por um lado eu entendo, ela sempre quis que conseguíssemos nos virar sozinhas, mas por outro fico triste porque imagino o que se passa na cabeça dela.
Estou fazendo terapia. Em uma das sessões estávamos discutindo sobre o Natal que estava chegando, e receitas de família. Não sei porque ela perguntou se eu tinha curiosidade de aprender a fazer alguma receita, e sem pensar disse que sim. Minha avó linda Jeanete, fazia um arroz com amêndoas no Natal. Acho que foi a única coisa que me lembro de ter visto minha avó fazer, e me marcou muito. Ano passado em especial, senti essa vontade porque minha avó faleceu (vou falar disso em outro post porque ainda não consegui) e não teríamos o arroz naquele Natal. Eu sabia que todos iriam sentir muita falta dela naquele dia e quis fazer algo em sua memória. Minha terapeuta sugeriu que eu fizesse o arroz para quebrar a barreira, o medo de errar. Aceitei o desafio.
Fiz o arroz dois dias: na véspera e no dia do Natal. Na véspera era o aquecimento, minha mãe me ajudou, me explicou passo a passo e não saiu muito bom, podia ter mais amêndoas, enfim (sabia que não ia achar bom de primeira porque eu sou muito perfeccionista). Fiquei empolgada por ter conseguido fazer e estava pronta para o grande dia. No dia do Natal a família inteira da parte da minha avó veio: primas, tias, tios. Fui até a cozinha e pedi que NINGUÉM me ajudasse, isso ja me deixou um pouco apreensiva porque acho que fui muito metida a corajosa.
Quando vi já estava toda cozinheira, colocando a manteiga na panela, as amêndoas, o arroz e fazendo todo aquele processo que eu julgava ser tão difícil. Quando terminei, coloquei o arroz na travessa e veio minha avó na cabeça, ela sorrindo e falando 'isso, minha vida!', do jeito que ela me chamava.
Já com o aval da minha avó, coloquei a travessa na mesa e esperei. As pessoas foram se servindo e comecei a escutar 'hmmmm', 'nossa! tá igual ao da Jeanete!'. Não sabia se estavam falando para me agradar porque minha família tem essa mania, mas gostei de pensar que não, que estava realmente gostoso. (acabei de descobrir que eles só souberam que fui eu que fiz, depois que já tinham elogiado)
Fiquei muito feliz, muito mesmo, perdi meu medo de cozinhar, de matar alguém com água quente, de explodir a casa.
Hoje decidi que ia fazer um livro de receitas para mim mesma, para eu levar adiante. Pedi que minha mãe me ajudasse, queria muito que ela fizesse parte disso, sei que ela ficou feliz com a minha iniciativa de querer aprender e estar disposta a errar. Separamos receitas de todo mundo, desde livrinhos da Nestlé de quando minha mãe era jovem, até receitas das diversas empregadas que passaram pela família, desde receitas da minha bisavó até receitas atuais. Querendo ou não, uma das várias coisas que permanece em uma família por anos sem ser o sobrenome, são as receitas, é uma coisa imortal que passa por várias gerações. Eu quero mesmo um livro de receitas porque sou gulosa e quero que um dia se eu tiver vontade de alguma comida, levantar e eu mesma fazer! E QUE NÃO SEJA BOLINHO DE ARROZ!
Enfim, estou pouco a pouco aprendendo com a culinária mensagens subliminares que seguem de mãos dadas com essa arte: que para se acertar é necessário algumas tentativas que nem sempre vão ser um sucesso. Aprendendo que para ficar bem, é preciso passar pelo ruim.

4 comentários:

  1. Oi Jé!

    A gente não se conhece, mas meus amigos sempre falam muito em você, como exemplo ou fonte de inspiração. Barra pesada né? Nem me atreveria a dizer que sei ou imagino como você se sente porque não, eu não tenho noção. Também não sei se eu reagiria a tudo isso com tamanha maestria como você vem fazendo. Mas eu resolvi escrever pra você nesse texto porque, você pode confirmar com nossos amigos, eu tenho uma relação intensa com a cozinha. Com a cozinha, as panelas, os fogões... Mas principalmente pela mágica de cozinhar. Me fascina pensar que as coisas se transformam ali, na nossa frente. É um deleite puro. O que eu quero te dizer é que cozinhar é mais do que parece. Pra mim, é terapêutico. Não tenha medo de dar a cara a tapa aos cozidos, fritos, assados e congelados. Se errar, faz de novo. Cozinhar vai valer pra você, como uma sessão de análise. É maravilhoso. Aproveita, cozinha coisas que te lembrem bons momentos, que te tragam boas lembranças. Cozinha com a sua mãe, eu aprendi com a minha e são as memórias mais felizes que eu tenho de pequeno... Se ficar ruim, você não conta pra ninguém, mas se ficar bom, nos passa a receita!

    Beijos e fica bem!

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  2. Jéssica, além de amiga prima a distância, sou professora de Português e Literatura... Lido com palavras e digo: há anos não lia crônicas tão bem feitas... A dor e nossos valores fazem isso: textos que transbordam vida e emoção... Se Lela não contava com seus dotes culinários, conta com muito mais!!! Que criatura maravilhosa foi cultivada e floresceu!!! Pelos seus textos, eu sei: cozinhar é questão de tempo... O melhor de tudo você já tem. Parabéns!!!!
    Fabiane Helvadjian

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  3. Jessica, estou ADORANDO seus textos, suas idéias....reflexões e devaneios! O texto que fala sobre "aprendendo a errar" particularmente foi o máximo, além de ser super divertido (eu achei!) mexeu muito comigo, porque eu também sempre tive muito medo de errar! Vai sem medo ...vai mesmo! F. D. Roosevelt disse uma frase mais ou menos assim: "O único homem que não comete erros é aquele que não faz coisa alguma. Não tenha medo de errar, pois você aprenderá a não cometer duas vezes o mesmo erro"

    Beijos ...Denyse

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  4. O arroz tava uma delícia sim!!!!!!! E eu gosto muito desse arroz e não sei fazer!!!!!!!! Não tenha medo de errar, pois quem erra é quem arrisca, tenta, faz alguma coisa; só não erra quem não faz nada! beijão, linda!

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