sexta-feira, 2 de março de 2012

Destrancando a Porta

Eu sempre fui uma pessoa muito fechada, muito mesmo. Eu não falo muito sobre o que eu sinto e pouquíssimas pessoas já me viram chorar. Não sei se foi por criação ou por consequência de tudo o que aconteceu, mas sempre achei que precisava ser forte em qualquer situação, e que 'ser forte' significava não chorar e sempre falar que 'está tudo bem'. Tenho tatuado nas minhas costas a frase 'C'e una forza in nói', ou seja 'há uma força em nós'. Fiz a tatuagem 5 anos depois da morte do meu avô. Minha justificativa para explicar o porquê dessa frase sempre foi que 'eu consegui superar a morte da pessoa que eu mais amava no mundo com 11 anos, você só sabe a força que tem quando ser forte é a única opção'. Mal sabia eu que teria que ser bem mais forte que aquilo.
Me vejo como uma porta trancada com cadeados. Em momentos como a descoberta do câncer da minha mãe, fico sensível, sem chão, desarmada, fazendo com que uma fresta da porta se abra.
Quando a tal fresta se abre, QUALQUER coisa que seja dita vai ser absorvida e depois trancafiada de novo, vai ser um eco constante na minha cabeça.
Quando descobrimos o câncer, naturalmente fiquei sem chão. Todos tentavam me consolar, mas infelizmente o conceito de 'ser forte' pras pessoas da minha família é o mesmo que o meu, então não ajudou muito.
 Minha mãe tinha acabado de sair do procedimento cirúrgico no qual os médicos iriam analisar se mais algum órgão possuía indícios de câncer. Enquanto eu esperava, fui comer no andar de baixo. Quando fiquei sabendo que ela estava indo para o quarto, larguei tudo e subi. Meu pai estava comigo no elevador e disse uma frase que me assombrou por muito tempo "arma o teatro, filhinha".
Não culpo ele por ter dito aquilo, era o que ele podia me dar no momento, cá entre nós é muito difícil consolar alguém em uma siuação tão inconsolável, você acaba falando a primeira besteira que passa na sua cabeça. Infelizmente posso afirmar com toda a certeza que parte desse meu desequilíbro atual é porque eu segui piamente o conselho não só naquela época, mas até agora.
Como eu disse no post anterior, sabemos o quão mal isso me fez.
Outra coisa que carreguei comigo foi uma frase que minha mãe me disse no dia seguinte da descoberta do tumor. Entrei no quarto, sentei na cama e dei um sorriso, ela me perguntou como eu havia dormido e menti falando que havia dormido bem. Ela então pegou minha mão e disse "A única coisa que eu não vou conseguir lidar é se você e sua irmã desabarem, o resto eu lido com tudo".
Por 1 ano e 2 meses levei essas duas frases como lemas.
Diversas vezes durante esse tempo ouvi pessoas sugerindo que eu fizesse terapia. Não me levem a mal, mas nunca acreditei nos métodos de um terapeuta. Sempre pensei que para me aconselhar, a pessoa tem que ter passado pelo que eu passei, senão, não teria como me ajudar. Sem contar que eu não conto da minha vida nem para as minhas amigas direito, imagina contar para uma mulher que eu nem nunca vi na vida.
Adiava e adiava a tal terapia, até que houve um momento de sensibilidade no qual resolvi pedir ajuda. A grande realidade é que tinha medo de ser julgada, rotulada de 'louca' ou 'errada', sempre tive medo de fazer coisas erradas ou agir de forma errada diante de uma situação. Joguei a toalha (pelo menos era como eu via) e admiti que não consigo sozinha, me senti fracassando, mas era a realidade, tentei não pensar muito naquilo e simplismente ir.
Na primeira sessão, minha terapeuta Patrícia me disse 'não é só você, em uma situação dessas NINGUÉM consegue sozinho'. Passei então a entender que não há como vivenciar uma coisa dessas sem pedir ajuda, sem conversar, com o copo sempre transbordando. Eu não sou louca, nem sou a primeira pessoa que passa por isso. Quem passa por isso sabe o desafio diário e sabe o quão difícil é ainda por cima ter que se preocupar com a própria saúde mental.
Comecei a olhar a terapia da seguinte forma: durante a semana o meu copo vai se enchendo, quando vou na terapia o copo esvazia. A terapia torna as coisas mais suportáveis, não me deixa tão no limite o tempo todo.
O engraçado é que só quando fui na terapia a tal porta resolveu se abrir de novo, só lá eu consegui abrir mão dessas suas frases que me 'carregaram' (mas mais me afundaram) por tanto tempo. Chega a ser até ridículo porque saio de lá em um nível absurdo de sensibilidade, á ponto de começar a chorar no elevador!
Com a minha porta se abrindo, comecei a olhar as coisas de outra forma, comecei a considerar pensar em mim um pouco. Me ajudou a ver um meio termo entre o 'certo' e o 'errado'.
Na terapia, fui aprendendo que o meu conceito do que é 'ser forte' é um pouco fantasioso. Hoje eu vejo que esse conceito pode levar alguém a loucura.
Acho que agora minha tatuagem tem um significado novo pra mim. Agora vejo que ter força é aceitar sua fraqueza. Sua força vai sair da sua fraqueza. É aquela meeesma história de que 'pra ficar bem você precisa ficar mal'. Ser forte é ser humilde o suficiente de admitir que você não está bem e que precisa de ajuda, é tirar um aprendizado de tudo que acontece.
De pouco em pouco espero conseguir diminuir o número de cadeados na minha porta e conseguir deixar meu lado humano se destacar mais do que meu lado robótico de 'certo ou errado'

6 comentários:

  1. Teu texto me lembrou uma frase do Cervantes: 'Tira força da tua fraqueza. Nada de fingir ser forte quando se está fraca, mas ser forta PORQUE se está fraca. Ter fraquezas não é não ter forças, e a gente sabe que você é forte. ABSORVE!

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  2. " I want you to listen to me very carefully, Harry. You're not a bad person. You're a very good person, who bad things have happened to. Besides, the world isn't split into good people and Death Eaters. We've all got both light and dark inside us. What matters is the part we choose to act on. That's who we really are. "

    Sirius Black

    Lembre-se sempre disso prin!

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  3. Nossa que orgulho de vc , te amo mto, Bjs

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  4. Fico muito, mas muito aliviada e feliz de ver você neste processo de auto conhecimento, dá para perceber o quanto está crescendo e descobrindo a força que tem ! Jéssica, é preciso muita coragem para " abrirmos nossas portas ..nossos cadeados .." . Espero que nesta trilha você perceba logo o que existe de lindo e de bom dentro de você , e também a sua volta ..quantas pessoas mais te amam e com quem você pode contar . Uma bela dupla, você e a Patrícia, heim! Também adorei o comentário da Dani, preste mesmo atenção no que ela te disse ! Beijos Denyse

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  5. Perfeito esse seu post.....todos precisamos de ajuda!

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  6. Jéssica,
    me sinto honrada com as menções e privilegiada por te acompanhar neste momento tão delicado, raro e especial.
    Os posts estão muito legais, honestos um jorro de sentimentos.
    Parabéns pela iniciativa.

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